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"Dona Xepa" expõe indefinição do projeto de novelas da Record

Mauricio Stycer

29/05/2013 17h32

A Record entende, já há alguns anos, que precisa manter ao menos uma novela em sua grade, mas parece não ter uma ideia clara sobre o que fazer. Com uma política errática, tem se arriscado em variados gêneros, como se estivesse buscando descobrir qual é o mais adequado. Também ainda não se decidiu sobre qual é a melhor duração nem o horário ideal para exibir as suas produções.

"Dona Xepa", já em seu sétimo capítulo, talvez seja o mais bem acabado exemplo desta indefinição. Trata-se de uma novela com temática infantil, mas exibida no horário das 22h30. Também é difícil entender o enorme investimento na produção de um texto teatral não apenas datado e anacrônico, mas muito conhecido, já tendo rendido inúmeras adatações, entre as quais duas novelas.

A primeira delas, "Dona Xepa", escrita por Gilberto Braga, em 1977, é daquelas novelas célebres, que mesmo quem não assistiu tem a impressão de conhecer. A composição de Yara Cortes foi tão marcante que não sobra muito espaço para recriação. Angela Leal, ótima atriz, claramente está homenegeando a protagonista da novela original no jeito de andar e gesticular.

A principal inovação da "Dona Xepa" escrita por Gustavo Reiz é a transposição da história para São Paulo. Nem essa mudança, nem as referências aos dias de hoje, como o You Tube, conseguem atenuar a impressão de que a novela é ambientada na década de 70 do século passado.

O tema principal, o esforço de uma feirante guerreira em dar educação ao casal de filhos que sente vergonha da mãe, está sendo tratado de forma ingênua, difícil de convencer ou mesmo emocionar um espectador mais vivido. O contraponto do núcleo dos feirantes com o dos ricos e novos ricos é igualmente primário e, em algumas cenas, constrangedor.

Existe uma boa vontade geral com o projeto de teledramaturgia da Record, o que é compreensível. É saudável haver concorrência e, não menos importante, oportunidades maiores para o desenvolvimento de talentos nas mais variadas áreas que envolvem a criação de uma novela. Acho apenas que a emissora deveria ter mais clareza em seus objetivos antes de se aventurar em alguns projetos, como "Dona Xepa", que acrescentam muito pouco.

Este texto foi publicado originalmente aqui, no UOL Televisão.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.