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"Fantástico” investe em pegadinha com verniz e tom politicamente correto

Mauricio Stycer

22/07/2013 05h02

O "Fantástico" estreou neste domingo (21) o quadro "Vai Fazer o Quê?", adaptado de um programa da rede americana ABC. Com pompa, a apresentadora Ana Paula Araújo explicou: "O repórter Ernesto Paglia conduziu uma série de experiências para descobrir como as pessoas reagem diante de situações polêmicas."

O espectador logo descobriu que as tais experiências eram, na verdade, típicas "pegadinhas" – palavra não usada pelo "Fantástico", que passou um verniz na brincadeira. A da estreia envolveu três rapazes que ofendiam e tentavam expulsar um mendigo de uma praça pública. Todos atores, filmados por câmeras escondidas. "Todo dia, em algum lugar, cenas assim simplesmente acontecem", justificou o repórter.

Sempre que algum passante tentava ajudar o mendigo, Paglia interrompia a gravação e dizia: "Quero pedir desculpas por vocês estarem passando por este estresse, mas esta é uma cena montada." Conseguiu arrancar frases edificantes de alguns. "A gente só está assim porque ninguém faz nada", disse uma mulher indignada. "O mendigo também é um ser humano", falou um homem.

Ao final, um passante entregou uma marmita com comida para o suposto mendigo. Explicou às câmeras que sempre que pode faz isso. O ator que viveu o personagem também falou, tirando a fantasia: "Foi o momento mais realista e emocionante que eu já tive até hoje". Zeca Camargo completou o quadro com uma exaltação do politicamente correto: "Hoje você conheceu pessoas que, diante de uma agressão humilhante a um mendigo, se indignaram, tomaram uma atitude, não fecharam os olhos diante da injustiça. É fantástico que existam pessoas assim."

"Vai Fazer o Quê?" lembra muito um tipo de "jornalismo justiceiro" que fez algum sucesso no programa "Legendários", da Record, apresentado por Elcio Coronato. Como lá, o quadro do "Fantástico" expõe pessoas comuns a situações artificialmente criadas com o objetivo de dar lições de moral e "ensinar" como os espectadores devem ou não se comportar. A diferença é que o programa da Globo privilegiou os que atuaram corretamente, tentando ajudar o "mendigo", e não humilhou, como fazia Coronato, os que não fizeram nada.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.