Sem história, “Amor à Vida” busca causar impacto com cenas isoladas
Mauricio Stycer
01/08/2013 15h48
É da natureza do melodrama o recurso ao exagero tanto dos personagens quanto das situações que eles vivem. O problema em "Amor à Vida" é que Walcyr Carrasco não conseguiu mostrar até agora qual é a história que tem para contar. A sua novela me parece basicamente, uma sucessão de episódios mal costurados, destinados a provocar impacto e causar polêmica.
Essa deficiência ficou, mais uma vez, gritante na esperada cena em que Edith (Barbara Paz) anuncia para a família Khoury que o marido Felix (Mateus Solano) é gay. Um ótimo assunto, um drama de primeira, mas consumado de forma artificial, grotesca mesmo, pela novela.
Nilson Xavier, no seu blog, já havia reclamado da "falta de sutileza" do texto de Carrasco. "Por vezes, temos a impressão de que os atores estão declamando um jogral em cena." A observação é perfeita, mas acho que o problema é ainda maior. É um jogral desarticulado, cujas frases não se encaixam direito, mas buscam sempre nocautear o espectador.
Felix sai do carro falando sozinho: "Pelo menos eu tenho o Anjinho (Lucas Malvacini) nesta vida para me distrair". Depois de cruzar com a mãe e a irmã na sala, sobe as escadas e volta a falar sozinho: "Detesto gente feliz." O marido, então, tenta entrar no quarto e encontra a porta trancada. Bate e grita pela mulher. Edith manda o amante sair pela janela, mas deixar a cueca.
Felix, então, dá um tapa na cara da mulher, não sem antes gritar: "Vagabunda!" Eles brigam. Ela o chama de "cachorro", ele grita que ela é "vadia", até que o filho adolescente, Jonathan (Thalles Cabral), e Tamara (Rosamaria Murtinho), a mãe de Edith, entram no quarto. O garoto tira o pai de cima da mãe e ganha um empurrão dele. A sogra fala para o neto: "Vai lá embaixo. Diz que vamos nos atrasar, mas não conta esta crise que estamos tendo aqui".
Felix chega para o jantar. Pilar (Susana Vieira) diz: "Eu ouvi umas vozes alteradas lá em cima. Seu pai até queria subir, mas eu disse para ele não interferir". "Fez muito bem, mammy. O clima não está nada bom. Para completar, o Johnathan está com essa cara de maracujá seco", diz, antes de anunciar. "Eu vou me separar da Edith. Hoje mesmo." O pai, Cesar (Antonio Fagundes), pergunta calmamente: "Qual é o motivo dessa separação?"
Walcyr Carrasco, tenho a impressão, está fazendo uma aposta na simplificação. O texto da novela é raso demais, os personagens repetem os mesmos comportamentos, sem variação ou sutileza alguma. Exibidos 63 capítulos, não consigo entender o que move os protagonistas da trama.
Não sei nada de Pilar Khoury (Susana Vieira). Quem é a mãe de Felix? Por que ela ficou surpresa ao ouvir que o filho é gay? E Paloma (Paolla Oliveira)? Não chega a ser novidade mocinhos bobos, mas é possível uma pessoa da idade dela, com a formação que ela tem, ser tão idiota?
Mesmo o vilão, parece agir sem motivos. Ele tem ciúmes do afeto do pai pela irmã e teme ser prejudicado na partilha da fortuna da família. Isso faz dele um monstro? Carrasco parece dedicar atenção exclusivamente a Cesar. Este, sim, é um personagem complexo, com nuances de comportamento, sugestões. Mas é pouco, até o momento, para fazer de "Amor à Vida" uma novela com estrutura.
Atualizado em 2/8: A continuação desta cena, no capítulo de quarta-feira (01), teve enorme repercussão. De forma bem didática, quase escolar, Carrasco discutiu o drama de um homossexual forçado a "sair do armário", mostrando as reações de sua família ao fato. Foi uma cena importante para a luta dos homossexuais contra o preconceito. Esse fato não muda, porém, o argumento que defendi no texto.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
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