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Netflix e o "excesso de cautela" da Globo

Mauricio Stycer

10/10/2013 10h10

Em meio ao processo de mudanças que vem ocorrendo no mercado audiovisual, o papel do Netflix tem chamado a atenção. Inicialmente como um provedor de filmes, séries e shows pela internet, hoje é também produtor de conteúdo. Com "House of Cards", "Orange in the New Black" e "Hemlock Grove", emplacou mais de uma dezena de indicações ao Emmy  na mais recente edição do principal prêmio da indústria.

Com 37 milhões de assinantes (a grande maioria nos EUA), a empresa vê o Brasil como um de seus mercados estratégicos. Este foi o um dos temas da entrevista que fiz com o executivo Ted Sarandos, que veio ao país anunciar o vencedor do Prêmio Netflix. O texto foi publicado ontem no UOL e o reproduzo abaixo.

 
Netflix vê "excesso de cautela" da Globo em não dividir bolo da nova TV

Responsável pelos investimentos do Netflix em conteúdo próprio, como as séries "House of Cards" e "Orange is the New Black", e também pela decisão de colocar todos os episódios à disposição do público de uma só vez, o executivo americano Ted Sarandos (o terceiro, a partir da esquerda) é hoje uma figura poderosa na indústria do entretenimento americano.

Em visita ao Rio, onde anunciou nesta quarta-feira (9) o vencedor do Prêmio Netflix, uma iniciativa destinada a dar visibilidade a um filme brasileiro pouco conhecido, Sarandos falou ao UOL por cerca de 20 minutos. Um dos temas da entrevista foi a ausência de programas da Rede Globo no catálogo brasileiro do serviço, que tem mais de 37 milhões de assinantes em 40 países.

"É uma situação única no mundo. É a única grande rede de televisão que não negocia com a gente", disse Sarandos. "Acho que eles têm medo de que vamos canibalizar o negócio deles, mas somos complementares para o sistema", diz.

Segundo o executivo, a Netflix compra direitos de programas de grandes redes, nos EUA e no México, por exemplo, e os oferece em seu catálogo nos próprios países. "A Globo vende novelas para a gente, mas para exibição em outros mercados da América Latina."

Sarandos fala, com orgulho, dos elogios que recebeu recentemente do diretor da premiada série "Breaking Bad", Vince Gilligan, pelo impulso que a série ganhou ao ser exibida pelo serviço de TV por internet quando os seus índices de audiência no canal pago AMC não eram os melhores. "A TV americana já entendeu que a gente pode ajudar a ampliar o mercado", diz Sarandos. "A Globo está tendo um excesso de cautela", lamenta.

Para provar a sua tese, o executivo oferece um dado: nas duas semanas posteriores à exibição do último episódio da quinta temporada de "Breaking Bad", o piloto da primeira temporada foi o episódio mais visto pelos assinantes do Netflix. Ou seja, enquanto os olhos dos fãs estavam voltados para o canal AMC, uma nova leva de espectadores descobria a série pelo serviço de streaming.

Sobre a produção de conteúdo próprio no Brasil, Sarandos diz que pretende continuar a fazer algumas experiências, mas não revela detalhes. A empresa apostou, até o momento, em alguns especiais de humor, de Rafinha Bastos e Danilo Gentili, entre outros, e numa série em três episódios de Felipe Neto, intitulada "A Toca".

Este é o primeiro passo, diz, para investimentos de maior peso, como a eventual produção de um seriado. Foi assim, também, nos Estados Unidos. A empresa já existia há quase 15 anos quando decidiu apostar US$ 100 milhões em duas temporadas completas de "House of Cards". A base de assinantes no Brasil, cujo número a empresa não divulga, não justifica um investimento deste peso.

Procurada pelo UOL, a Globo deixou claro que não tem a intenção de alterar a situação apontada pelo Netflix. "Acreditamos que a exploração do nosso conteúdo, na web ou na TV paga, deve ser feita por nós, através de um sistema de distribuição próprio", diz a mensagem enviada pelo setor de comunicação da empresa.

E prossegue: "Hoje temos a experiência do Globo TV +, que permite que o público assista a todos os conteúdos da programação da Globo com três horas de atraso. Ou seja, estamos perseguindo soluções para disponibilizar nossa programação para quem não pode vê-la no momento em que foi exibida na TV aberta. Temos aprofundado as discussões sobre isso, mas acreditamos na nossa capacidade de entregar nossos próprios conteúdos em nosso próprio sistema de distribuição."

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.