“Amores Roubados” vale pelo caminho que aponta para a ficção da Globo
Mauricio Stycer
10/01/2014 05h01
Em sonho, Leandro (Cauã Reymond) ouve Antonia (Isis Valverde) dizer: "É melhor você desistir. Você não vai fugir de mim". Na sequência, ela bate à porta da casa dele e entra. "Você merece uma segunda chance", ela diz, evocando o fracasso dele na primeira noite. "Bondade sua", ele responde. "Tá com medo de mim?", ela pergunta. "Que temperamento!", ele exclama.
Com o lábio machucado, por uma mordida da amante Celeste (Dira Paes), Leandro encara Antonia e se afasta em direção ao banheiro. Da cozinha, sorridente, ela observa. Ele, de fato, parece estar com medo. Fecha a cortina que faz as vezes de porta do banheiro e volta a olhar o ferimento no lábio. Ao fundo toca "Angels", da banda pop inglesa The XX.
A cena, exibida no terceiro capítulo de "Amores Roubados", dura pouco mais de dois minutos e, como outras do seriado, impressiona. O diálogo está longe de ser óbvio. Entre as frases, há inúmeras pausas, nas quais a câmera explora o ambiente e, à distância, observa os personagens enquanto eles pensam. A iluminação é escura, mas bonita. Quase não há close nos rostos dos dois atores. A música surpreende.
Do que trata exatamente "Amores Roubados"? Vi gente fazendo essa pergunta no Twitter depois do segundo capítulo. E entendo até como uma qualidade da série levantar esta dúvida. É a história, contada a conta-gotas, de Leandro, o filho de uma prostituta, Carolina (Cássia Kis Magro), nascido em Sertão, crescido em São Paulo, que volta à cidade, à beira do rio São Francisco, para ganhar a vida como sommelier.
"Quem vive com medo não vive", ele diz ao amigo, explicando o apetite incontrolável, quase suicida, que o leva a se envolver com as mulheres, Celeste e Isabel (Patricia Pillar), dos dois magnatas da cidade, os coronéis com embalagem moderna Cavalcanti (Osmar Prado) e Jaime (Murilo Benicio), além de Antonia, filha deste último.
Em todo caso, a qualidade de "Amores Roubados" destoa significativamente da média da produção exibida na TV aberta brasileira, Globo incluída. O programa parece um exercício da emissora, a mostrar a sua capacidade de realizar também em alto nível.
"Amores Roubados" faz mais sentido diante dos anunciados planos da empresa de estimular o diálogo entre as produções dos seus canais na TV paga (GNT, Multishow etc) e na TV aberta bem como os projetos recentes de investimento na produção de séries para a internet. É um trabalho que deve ser compreendido, também, pelo futuro que aponta, pela importância cada vez maior de produzir alternativas à telenovela.
Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.