“Joia Rara” prometeu muito mais do que cumpriu
O maior desafio para quem escreve sobre novelas é o primeiro texto. Fazer a crítica de um trabalho que terá 173 capítulos com base em um ou meia dúzia de episódios é sempre muito difícil e arriscado.
Tenho o hábito, sempre que uma novela termina, de reler o primeiro texto que escrevi a respeito dela. Fico orgulhoso quando constato que a minha impressão original coincide com a última. Mas nem sempre isso ocorre.
No caso de "Joia Rara", sou obrigado a dizer que a minha empolgação inicial revelou-se exagerada. Os interessantes conflitos esboçados, a intensidade com que a história foi contada na primeira semana e a própria complexidade sugerida dos personagens principais deram espaço, com o passar do tempo, a um drama comum, repleto de clichês.
Duca Rachid e Thelma Guedes sugeriram que a novela ia ter como pano de fundo um dos momentos políticos mais ricos e conturbados da história do Brasil, os anos 30 e 40, sob Getúlio Vargas e a Segunda Guerra Mundial.
Mas, num caminho muito distinto do trilhado por "Lado a Lado", a última novela de época do horário, que raramente saiu do trilho proposto, todos os temas com alguma relevância de "Joia Rara", como a luta sindical, a batalha das mulheres por seus direitos e o conflito de classes, foram rapidamente deixados no caminho.
Exemplar desse esvaziamento, o personagem Mundo (Domingos Montagner), que prometia brilhar, foi perdendo importância, até praticamente se tornar exclusivamente o marido ciumento de Iolanda (Carolina Dieckmann).
O outro grande tema da novela, o budismo, ao contrário, ganhou um tamanho desproporcional. A certa altura, "Joia Rara" pareceu estar fazendo propaganda, até. "Eu vou ser uma pessoa melhor na outra vida", disse o ex-vilão Ernest (José de Abreu) no leito de morte (foto no alto do texto).
Foi, igualmente, visível a falta de fôlego das autoras no desenvolvimento do próprio melodrama que criaram. O conflito entre o vilão Manfred (Carmo dalla Vecchia) e os mocinhos Franz (Bruno Gagliasso) e Amélia (Bianca Bin) se tornou mais repetivivo que desenho de Tom & Jerry. O primeiro grande vilão da história, Ernest, se redimiu radicalmente, contagiado pelo amor da neta Perola (Mel Maia).
A novela levantou outros bons temas na segunda metade, como o amor de uma mulher rica, Laura (Claudia Ohana), por um homem de origem humilde, mais jovem e negro, Artur (Icaro Silva), assim como o encanto de Joel (Marcelo Medici) por outro homem, Aderbal (Armando Babaioff), mas não teve ímpeto para aprofundá-los.
Como observou Nilson Xavier em seu balanço, os núcleos de humor de "Joia Rara" acabaram se sobressaindo – as muitas histórias divertidas envolvendo personagens do cabaré Cabaré Pacheco Leão e da pensão de Dona Conceição (Cláudia Missura) deram leveza e graça à novela.
Mel Maia, no papel de Perola, surpreendeu a cada capítulo. José de Abreu e Carmo dalla Vecchia também deixaram uma marca em "Joia Rara". O número de bons atores na novela, aliás, é enorme – mérito de quem escalou o elenco.
Uma observação sobre o capítulo final. Quem sobreviveu ao choro, depois da morte de Ernest e da infinidade de casamentos e nascimentos, teve a chance de apreciar a solução muito boa de um epílogo narrado nos dias de hoje por Perola (Gloria Menezes).
O tom geral do meu comentário pode passar a ideia de que não gostei de "Joia Rara". Não é bem isso. Achei a novela simpática, muito bem feita e dirigida, com atores em grande forma, mas fiquei com a impressão de que ela prometeu muito mais do que cumpriu.
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