Usado para promover “Em Família”, beijo entre mulheres não significou nada
Mauricio Stycer
01/07/2014 05h01
A cena, na verdade, é a ponta de um iceberg – a parte mais visível (ou badalada) de um folhetim cujos problemas se avolumaram ao longo dos meses e que acabou se revelando uma decepção.
Repito algo que escrevi há três semanas: o desenvolvimento da história entre as duas personagens, como ocorreu com outras tramas de "Em Família", foi uma decepção. Manoel Carlos deu tratamento de conto de fadas a uma situação potencialmente dramática – a transformação da pacata Clara, casada e mãe de um garoto, numa mulher apaixonada por outra mulher.
O beijo, justamente o primeiro entre as duas, foi coerente com esta abordagem irreal. Um selinho rápido, sem emoção, dado para festejar o pedido de casamento feito por Marina, que ofereceu uma aliança a Clara.
Vanessa (Maria Eduarda de Carvalho), a ex-namorada da fotógrafa, mais uma vez cumpriu o papel de contraponto crítico ao ridículo da situação: "Estou presenciando a uma das cenas mais cafonas da história de Marina Meirelles".
Uma abordagem deste tipo, numa novela das 21h da Globo, não faz sentido em 2014. Além de um beijo entre duas mulheres não ser novidade na televisão brasileira, a própria emissora já tratou de temas mais espinhosos de forma bem mais ousada e menos infantil.
Ao mesmo tempo, e de forma contraditória com toda a hesitação de Manoel Carlos, a Globo tentou passar a impressão de que o beijo deveria ser entendido como algo natural. Muita gente comprou essa mensagem otimista: um beijo entre pessoas do mesmo sexo não é mais tabu.
Na verdade, o beijo foi usado – com total sem-cerimônia – como peça de promoção de "Em Família" . Uma fotografia do beijo foi divulgada dias antes de a cena ir ao ar. Trechos do diálogo entre as duas personagens foram revelados pelo próprio site da novela. O assunto foi tratado em outros programas da casa.
Em uma novela, como bem definiu Nilson Xavier, "pautada pela lerdeza dos acontecimentos, marasmo das histórias e falta de ação", o beijo de Clara e Marina, na realidade, não significou nada.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
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