Entrevistas do "Jornal Nacional" viraram duelos pouco esclarecedores
Mauricio Stycer
28/08/2014 10h57
Ritual saudável em uma democracia, a rodada de entrevistas com candidatos à Presidência no "Jornal Nacional", o principal telejornal do país, vem assumindo, a cada eleição, uma feição mais incômoda.
Destinadas, em tese, a esclarecer o espectador/eleitor sobre "temas polêmicos das candidaturas" bem como sobre "realizações dos candidatos em cargos públicos", estas entrevistas se transformaram em duelos que oferecem muito pouco a quem precisa de alguma informação para votar.
Cada vez mais treinados, como se viu no ciclo de 2014, os candidatos enrolam, dão voltas ou tergiversam sobre temas que consideram polêmicos. Diante de questões longas, usam a técnica de responder somente a fragmentos que os interessam. Por fim, quando necessário, recorrem ao mais irritante dos expedientes, que é ignorar a pergunta e falar de outro assunto na resposta.
Contra este arsenal fornecido pelo "media training", e dispostos a perder apenas 15 minutos do telejornal com cada entrevista, William Bonner e Patrícia Poeta adotaram a única técnica possível em situações como esta –o confronto.
Como as perguntas não são suficientes para trazer à tona o que os entrevistadores consideram "a verdade", é preciso interromper o entrevistado quando ele usa uma de suas técnicas de fuga. Esse é um embate normal em entrevistas, mas na televisão, ao vivo, com o relógio correndo, sempre termina passando uma imagem antipática.
Se é o seu candidato que está sendo pressionado, você tende a se irritar com o entrevistador. Se é o candidato rival, você imediatamente reclama que ele está fugindo da raia.
Tendo participado de todos os ciclos, Bonner se vê responsável por limitar as possibilidades de fuga dos candidatos. É quase sempre ele que aperta a corda, digamos assim –o que aumenta a impressão de que foi antipático.
Este jogo de "gato e rato" tem se repetido desde 2002. Em 2010, depois das entrevistas com Serra, Dilma e Marina, observei que talvez por falta de cacoete, talvez por nervosismo ou, ainda, por pressão externa, o editor-chefe do "JN" endureceu e perdeu a ternura nas três entrevistas, dando aos encontros, em algumas passagens, a aparência de interrogatório.
Houve um certo padrão de insistência nas entrevistas este ano. Ao menos um assunto mereceu três réplicas dos entrevistadores. Graças a esta pressão, Aécio foi levado a dizer que não sentia constrangimento ético em usar o aeroporto de Claudio; Eduardo Campos assentiu que não enxergava nepotismo na indicação da mãe ao Tribunal de Contas da União; Dilma se recusou a comentar sobre o comportamento de petistas durante o mensalão; pastor Everaldo disse não ver contradição em abraçar o liberalismo há seis meses depois de anos alinhado a partidos social-democratas.
Com Marina, Bonner insistiu quatro vezes sobre o avião usado na campanha sem conseguir que a candidata admitisse que deveria ter se informado melhor sobre a situação legal da aeronave. "Quero que as investigações aconteçam", disse.
Alguém acredita que estas "revelações" ajudam a esclarecer, como promete Bonner, "temas polêmicos das candidaturas" ou "realizações dos candidatos em cargos públicos"?
Para piorar, o apresentador e editor-chefe do "Jornal Nacional" deu mostras, em comentários que publicou nas redes sociais, de ter adotado um papel quase messiânico nestas entrevistas. "Fiz e farei as perguntas que os candidatos prefeririam não ter que ouvir", prometeu depois da segunda entrevista. "Assuntos que lhes são desconfortáveis, incômodos. Assuntos que eles não abordam na propaganda eleitoral, obviamente".
Não deixa de ser irônico que, a despeito de todo o esforço dos entrevistadores, a principal lembrança deste ciclo de entrevistas não tenha sido nenhuma resposta, mas justamente uma última frase dita por Eduardo Campos em tom de propaganda eleitoral. O "Não vamos desistir do Brasil" acabou transformado em slogan eleitoral do PSB imediatamente depois da morte do candidato.
Mesmo que resulte incômodo também aos olhos do espectador, o ciclo de entrevistas mais uma vez foi ótimo para o "Jornal Nacional". As entrevistas acabam se revelando um bom pretexto para tratar de temas ignorados ou relevados no noticiário do próprio telejornal, bem como ajudam a reforçar a aparência de independência e apartidarismo do programa.
Este texto foi publicado originalmente no UOL Notícias.
Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
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