Fã se diz iludida por Casos de Família: "SBT não precisa viver de mentiras"
Mauricio Stycer
05/02/2015 05h01
Vanessa Silva sempre foi fã do programa "Casos de Família", apresentado por Christina Rocha no SBT. Essa semana, ela me escreveu um longo e-mail. Começa assim:
"Eu sempre assisto porque acontecem coisas engraçadas lá, como no dia em que uma moça disse que queria comprar um 'naitebruque' em alusão a um notebook. Ou porque aprendo coisas, como no dia em que um travesti disse que não podia ir nem no banheiro feminino nem no masculino. E me deu compaixão por essas pessoas que trocam de gênero e não têm um lugar na nossa sociedade."
"Parte da graça ou da atração que ele exerce é ser apresentado como um programa com casos verdadeiros. Depois que li seu texto sobre a mãe e filha que foram lá e no programa do João Kleber, parece que algo se quebrou. Fico me perguntando como gente que parece gabaritada como a psicóloga Anahí D'Amico trabalha lá, ou como o programa tem patrocinadores que aceitam isso", escreveu Vanessa.
Conta Vanessa: "Apareceu uma mulher com olhos tão bonitos que me deu vontade de ir xeretar no Facebook. Como a mulher tinha um nome diferenciado, Helke, não foi difícil achar".
Helke, com seu próprio nome, interpretou o papel da sogra no "Casos de Família" reprisado no último sábado. "No programa ela diz que tem três filhas, que a mais velha de 18 anos deu este desgosto de namorar um vagabundo e tal… Quando fui ver no Facebook dela, a tal filha não aparece em nenhuma foto, nem é amiga dela".
Continua Vanessa: "E para minha total indignação, Helke convida em seu Facebook os amigos para vê-la na TV, não importando o fato de que ela está interpretando uma personagem enquanto existem pessoas acreditando que aquela é história da vida dela. Lamentável!"
Helke dá a sua versão
Procurada pela repórter Amanda Serra, que fez uma excelente reportagem sobre o assunto (Com cachê de até R$ 200, figurantes alimentam programas de entretenimento), Helke disse: "Não tenho nada a declarar. Qualquer coisa entre em contato com o SBT, me inscrevi pelo site".
A reportagem de Amanda traz o depoimento de outra figurante, Maria Andréia, que revela como conseguiu participar de dois episódios do "Casos de Família" em menos de um ano, contando duas história totalmente diferentes. "Eu vi o escândalo que aquela figurante armou com vocês para ter o momento Geisy Arruda dela", diz Helke. "A mesma é uma charlatã e vocês deram total credibilidade às mentiras dela".
Depois da publicação deste texto, Helke entrou em contato com a redação do UOL e afirmou ser mãe da jovem que aparece no vídeo. "A minha filha é verdadeira, não foi nenhuma armação, a história é verídica. Temos fotos de família que prova. Quando gravamos ela tinha 18 anos, ela é minha filha mais velha e tenho outros dois filhos".
SBT: "A seleção do programa é através de entrevistas e não de detector de mentiras."
O diretor do "Casos de Família", Rafael Bello Lopez, enviou por meio da assessoria do SBT a seguinte nota em resposta aos questionamentos do UOL (os negritos são da emissora):
O SBT esclarece, que a equipe do Programa Casos de Família é composta por 30 pessoas entre produtores, assistentes de produção e estagiários e aproximadamente 40 contatos ou "pesquisadores de rua". Todos eles trabalham pesquisando e procurando histórias na Grande São Paulo, assim como no interior de São Paulo, e algumas vezes até em outros estados. Quando uma história se encaixa em algum tema que o programa está produzindo, um dos produtores junto com o contato ou "pesquisador de rua" vai até a casa desses possíveis participantes para entrevistá-los, coletar os dados e ver que todas as informações são verídicas. Se a história em questão for aprovada pelo funcionário, então é marcado um encontro para levá-los com um motorista do SBT, até a emissora, onde eles são entrevistados novamente, mas desta vez pela equipe de supervisores, que filtra cada detalhe das histórias. O produtor confere todos os documentos de identidade e no final, esses supervisores qualificam o desenvolvimento dos participantes durante a entrevista, assim como a veracidade da história, e aí aprovam ou desaprovam a participação dos possíveis participantes no programa.
Sobre os temas de cada programa, a equipe se reúne a cada semana para fazer um "brainstorm", onde cada um dos produtores entrega uma lista de temas com uma sinopse que explique o assunto, assim como qual é a mensagem que estaríamos levando ao público, baseado na nossa missão social. Outras vezes, algum convidado durante a gravação fala uma frase interessante e aí vira tema, também podem ser sugestões do público, seja pelo site do SBT, pelo telefone ou até na mesma rua.
O Casos de Família tem uma missão social muito clara, por isso todas as histórias são e devem ser reais. No processo de seleção, todos os documentos são conferidos e se os elementos que pertencem ao tema fazem sentido dificilmente pode se comprovar que o participante está criando uma história. A seleção do programa é através de entrevistas e não de detector de mentiras.
Na maioria dos casos, todos possuem mais de uma história em suas vidas e se um convidado participa duas vezes, é porque a sua segunda história é tão interessante quanto a primeira ou até ainda mais. Se essa história encaixar em algum outro tema que o programa está produzindo e aporta alguma mensagem dentro da missão social do programa, a equipe analisa então a possibilidade de trazer esses convidados de novo. Por exemplo, uma esposa pode sofrer violência doméstica e ao mesmo tempo não aceita seu filho homossexual. São duas histórias totalmente diferentes, mas que são vivenciadas pela mesma pessoa.
O SBT deixa claro que os contatos ou "pesquisadores de rua", que chegam a ser quase 40, são selecionados e treinados pelos produtores, eles sabem da ética de seleção e qual é a missão social de Casos de Família. Se algum dos nossos contatos ou "pesquisadores de rua" estiver criando as histórias junto com os possíveis participantes, e a produção de Casos de Família descobrir esse ato, imediatamente dispensa o serviços dos mesmos.
* Este texto foi atualizado às 14h.
Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.