Entrevistas de Gugu com condenados abusam dos efeitos “pirotécnicos”
Mauricio Stycer
20/03/2015 02h41
Não há nada de errado com a proposta – muito pelo contrário. Há evidente interesse jornalístico em entrevistas com protagonistas de crimes notórios. O problema é a maneira como Gugu tem tratado tanto os seus entrevistados como o seu público.
Gugu não inspira medo, o que é um elemento a seu favor em entrevistas que envolvem algum grau de tensão. O seu olhar compungido, quase de pena, ajuda a relaxar o entrevistado e leva parte do público a crer que ele está, de fato, emocionado com o que ouve.
O estilo do apresentador, porém, não tem revertido em boas entrevistas, do ponto de vista jornalístico. Mais treinados que Gugu, nem Suzane nem Bruno fizeram revelações de maior importância, apesar de boas perguntas do entrevistador.
Outro problema diz respeito ao péssimo hábito de explorar a curiosidade humana até o limite com anúncios de iminentes segredos e surpresas. Gugu não está sozinho nessa – há hoje uma verdadeira epidemia de falsas promessas em programas de auditório.
No caso de Suzane, Gugu alimentou a expectativa dos espectadores quanto à aparição da namorada da presa, que só foi ao ar no segundo dia, sem ter nada de relevante para dizer.
Na entrevista com Bruno foi ainda pior, com a exibição, ao longo de dois dias, de um envelope onde se lia a palavra "confidencial". O apresentador deu a entender que ali poderia estar o resultado de um teste de DNA destinado a comprovar se o filho de Eliza Samudio seria mesmo do ex-goleiro. "Hoje vamos abrir, definitivamente, este envelope. O envelope que pode mudar o rumo do caso Bruno", disse Gugu nesta quinta-feira (19).
O envelope, evidentemente, não revelou nenhum segredo, não mudou nada no caso, nem continha resultado de exame algum. Puro sensacionalismo e tentativa mal-disfarçada de segurar a audiência.
Não por coincidência, neste momento, nos Estados Unidos, dois programas têm causado bastante barulho com a proposta de revisitar crimes polêmicos antigos e mal esclarecidos.
Um deles chama-se "Serial" e é uma série apenas em áudio (podcast), no qual a jornalista americana Sarah Koenig investiga a possibilidade de o julgamento real de um assassinato ter levado a um resultado injusto.
Gugu merece todos os créditos por ter conseguido falar com Suzane e Bruno – um desejo de muitos jornalistas. Mas, se os encontros tivessem resultado em entrevistas relevantes, como nos dois programas americanos citados, os efeitos "pirotécnicos" utilizados pela Record não teriam sido necessários. Além de despertaram muita curiosidade e elevarem o Ibope de seu programa, elas resultaram muito mais em show do que em jornalismo.
Em tempo: O "mistério" em torno do envelope funcionou. O programa de Gugu ficou em primeiro lugar por 24 minutos em seu horário de exibição das 22h38 à 00h24. No cômputo geral, ficou em segundo lugar com média de 9 pontos e pico de 12.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
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