Livro mostra que Galvão é bom de papo, mas não tem quase nada a dizer
Mauricio Stycer
03/05/2015 05h01
Como tudo que Galvão Bueno faz ou deixa de fazer, o lançamento de seu livro de memórias se tornou um acontecimento. Como era de se esperar, em poucos dias "Fala, Galvão!" ocupou o topo da lista dos mais vendidos.
E ele fala sem parar. Na maior parte das 312 páginas, Galvão presta homenagens aos amigos que conheceu no mundo do futebol e do jornalismo esportivo – Pelé, Luciano do Valle, Michel Laurence, Arnaldo Cezar Coelho, Falcão, Ronaldo, Casagrande, Junior, Zico e Kaká, além de inúmeros colegas de trabalho e superiores hierárquicos na Globo a quem dedica os mais variados elogios.
O mesmo acontece no universo do automobilismo. O narrador vê o mundo sob a ótica de suas amizades, mais do que dos fatos esportivos. Dessa forma, presta homenagens caprichadas a Ayrton Senna, Nelson Piquet, Emerson Fitipaldi, Rubens Barrichello, Felipe Massa e Reginaldo Leme.
Entre um e outro elogio, entre uma e outra bajulação, sobra espaço para poucas confissões. Tipo: "Eu sou um personagem", diz, resumindo a sua carreira. "Sou um cara competitivo, quase doentiamente competitivo", acrescenta.
Num raríssimo instante de sinceridade, reconhece hoje que a famosa gritaria ao festejar a conquista do tetra na Copa de 94 foi "meio ridículo". E, em outro momento de honestidade, confessa que, em 2002, foi escalado por Felipão para fazer uma pergunta de interesse do treinador em uma entrevista coletiva – e cumpriu o pedido.
Além da famosa história sobre a narração de um jogo que não aconteceu, na Copa de 74, Galvão só reconhece no livro um outro erro em toda a sua carreira – o gol de Oscar que, por distração, não narrou em um amistoso da seleção, no início de 2014. Contra quem? O autor nem se dá ao trabalho de dizer.
Livro dedicado a falar bem dos amigos, "Fala, Galvão" traz uma discreta crítica ao trabalho de Felipão e Parreira na Copa de 2014. Na visão do narrador, o maior pecado da dupla foi elevar a expectativa dos brasileiros afirmando que o Brasil iria ganhar o Mundial. E critica a incompetência – "não sei de quem" – de deixar a seleção sem nenhum jogo no Maracanã, na certeza de que ela jogaria a final no estádio.
Mais discretas ainda são as críticas a João Havelange e Ricardo Teixeira. Sobre o primeiro, a quem chama de "um estadista", observa que "existem sombras e negociações não muito bem explicadas", mas que tem "profundo respeito" pelo seu trabalho no esporte.
Sobre o segundo, Galvão se permite ser um pouquinho mais duro e diz que a gestão de 24 anos de Teixeira foi "um acúmulo de excessos". Quais? "Excesso de poder, excesso de tempo no poder, excesso de nuvens escuras, excesso de perguntas sem respostas." E pronto.
É verdade, como diz o narrador, que "até quem não gosta (de mim) me assiste". Mas acho que esses não precisam ler "Fala, Galvão!" (Globo Livros, R$ 40). Trata-se de um livro apenas para quem realmente gosta muito do narrador.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.