Má gestão da crise e novos rumos transformam “Babilônia” em “novela-zumbi”
Mauricio Stycer
22/05/2015 05h01
"Babilônia" ainda tem 80 capítulos pela frente, mas a sensação é de que já acabou. Não é a primeira vez que uma novela sofre com rejeição e falta de audiência, mas a forma como a Globo lidou com a "gestão da crise" me parece ter sido desastrosa.
Com exceção do capítulo de estreia, muito elogiado, não houve um só dia desde então sem más notícias sobre a trama de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga.
O beijo entre duas mulheres idosas chocou espectadores mais conservadores e serviu de pretexto para todo o tipo de exploração de telepastores, cada vez mais eficazes no uso das redes sociais. Sem uma manifestação oficial de peso da Globo em defesa da novela, o tema tomou proporções
A maré negativa foi engrossada pela percepção de que havia problemas estruturais em "Babilônia". O enredo logo se revelou pobre, sem grandes temas ou histórias. Vários personagens deram sinais de estar mal construídos, sem nada para dizer. Um núcleo de humor se mostrou sem graça. E a heroína, uma chata.
Tanto o cafetão Murilo (Bruno Gagliasso), quanto a patricinha Alice (Sophie Charlotte), prestes a ser transformada em garota de programa, morreram e deram lugar a dois personagens totalmente diferentes, descaracterizados.
O casal formado por Estela (Nathalia Timberg) e Teresa (Fernanda Montenegro) praticamente desapareceu e nunca mais se falou sobre homofobia. Destinado a namorar Ivan (Marcello Melo), Carlos Alberto (Marcos Pasquim) nem chegou a sair do armário e voltou a ser heterossexual.
A vilã Beatriz (Gloria Pires) parou de transar com um homem diferente por capítulo e se apaixonou por Diogo (Thiago Martins), filho de um antigo amante que ela assassinou. Também voltou a ser inimiga da vilã Inês (Adriana Esteves) e, sem a frieza habitual, começou a meter os pés pelas mãos.
A novela, em resumo, perdeu identidade e rumo. Tornou-se uma colcha de retalhos, incoerente, cada vez mais desinteressante e, talvez ainda pior, sem repercussão.
Em meio a esta confusão toda, não se ouviu uma única palavra de Gilberto Braga. Ricardo Linhares tem sido o porta-voz do trio. Em uma declaração espantosa, ele disse: "Sentimos que Beatriz e Inês precisavam voltar a ser inimigas, como na primeira semana. As duas trabalhando juntas, como cúmplices, não funcionou". Como assim, "não funcionou"? Vocês estavam fazendo testes?
Abreu reconheceu, ao menos, que várias apostas dos autores "não deram certo", mas negou que tenha, pessoalmente, reeditado parte da novela. Segundo diferentes colunistas, cerca de doze capítulos de "Babilônia" viraram seis – a outra metade foi para o lixo.
Eu estava de férias, em meados de maio, quando se tornou pública a decisão de encurtar a novela. No lugar de 185 ("Insensato Coração" e "Fina Estampa") ou 179 capítulos ("Avenida Brasil" e "Salve Jorge"), e muito distante de "Amor à Vida" (221) e "Império" (203), a Globo optou por encerrar "Babilônia" no capítulo 143, tal como ocorreu com "Em Família".
A novela ainda não tinha chegado ao capítulo 60 quando esta notícia do enxugamento foi dada em vários sites e blogs, inclusive do próprio Grupo Globo. Significa dizer, me parece claro, que a emissora não acredita mais em "Babilônia".
A informação veio a público porque, em função do encurtamento da atual trama, a próxima novela, "A Regra do Jogo", de João Emanuel Carneiro, terá que começar a ser gravada mais cedo, já a partir da próxima semana. "Babilônia" ficará no ar até 28 de agosto. Temo que como um zumbi.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
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