“Narcos” flerta com público latino e ironiza ação americana antidrogas
Em uma cena do terceiro episódio de "Narcos", o ministro da Justiça da Colômbia, Rodrigo Lara Bonilla (1946-1984), recebe a visita de Steve Murphy, da DEA, a agência antidrogas americana, que traz um colete a prova de balas na mão. Vivido por Boyd Holbrook, o agente alerta Bonilla sobre os riscos que corre por estar enfrentando o narcotráfico, em especial Pablo Escobar (1949-1993).
Murphy sugere que Bonilla teria agido por pressão dos americanos e, por isso, poderia sofrer duras consequências. Irritado, o ministro critica a arrogância do agente americano, dizendo que a DEA apenas o ajudou com um detalhe (uma foto de Escobar na prisão) e que ele combateria o tráfico de drogas com ou sem o auxílio dos EUA. "John Wayne só existe em Hollywood", diz o ministro.
Na cena seguinte, a caminho do aeroporto, Bonilla é assassinado por dois homens numa motocicleta, enviados por Escobar. Ao chegar à cena do crime, o agente da DEA e seu parceiro, Javier Peña (Pedro Pascal), constatam que o ministro não estava usando o colete.
Inspirada em fatos e personagens reais (todos os citados aqui existiram), "Narcos" estreia no próximo dia 28 no Netflix, que encomendou o programa. Destaquei esta cena porque a série, apesar de ser uma produção norte-americana, e contar a história do ponto de vista do agente Murphy, flerta o tempo todo com o público latino.
O UOL assistiu aos primeiros três dos dez episódios. Pelo que vi, "Narcos" dá a entender que não pretende glorificar a ação do governo dos Estados Unidos na Colômbia. Ao contrário, quer mostrar também os problemas – e mortes – que causou, bem como sublinhar o papel dos norte-americanos enquanto usuários da droga contrabandeada da América do Sul (veja abaixo um trailer legendado).
Centrada em torno de Escobar, a série busca mostrar como o traficante encontrou as condições ideais, entre o final dos anos 70 e início dos 80, para explorar o negócio ainda incipiente da cocaína. Corrompendo diferentes níveis de poderes policiais e políticos na Colômbia, aliciando "soldados" entre as camadas mais pobres da população e atuando como "benfeitor" junto à população, o traficante conquistou a aura de "Robin Hood".
A chave do sucesso inicial dos negócios do traficante, mostra a série, é a descoberta de que em Miami se encontra um mercado consumidor ávido pelo pó branco de origem colombiana.
Este olhar crítico sobre o consumidor da droga, que alimenta o tráfico, lembra muito os dois filmes da série "Tropa de Elite" – e não é à toa. "Narcos" é dirigido por José Padilha, diretor de ambos, e conta com Wagner Moura (o capitão e coronel Nascimento dos longas) no papel principal, como Pablo Escobar.
O namoro com o público latino é visível em outra "concessão", a língua. Com exceção dos americanos, todos os demais personagens falam em espanhol. Aparece, ainda, na diversidade do elenco, que conta com nomes conhecidos de vários países: Juan Pablo Raba e Manolo Cardona (Colômbia), Stephanie Sigman e Ana de la Reguera (México), Luis Guzman (Porto Rico) e o brasileiro Andre Mattos (também de "Tropa de Elite"), entre outros.
A narração onipresente e levemente auto-irônica do agente Murphy em "Narcos" também faz lembrar de "Tropa de Elite 2", cuja história é narrada em tom semelhante pelo coronel Nascimento.
Wagner Moura, que engordou cerca de 15 quilos para encarnar Escobar, também estudou o espanhol falado em Medellín. Não sei avaliar a qualidade da sua pronúncia, mas impressiona ver o ator interpretando em outra língua e fisicamente transformado.
Além de dirigir, José Padilha é também um dos produtores executivos da série, ao lado do americano Eric Newman. A criação é de Chris Brancato, autor de episódios de "Hannibal", "Lei e Ordem" e "First Wave", entre outras, com Doug Miro and Carlos Bernard.
A história de Pablo Escobar já foi contada em verso e prosa, inclusive numa novela ("O Senhor do Tráfico") que fez bastante sucesso no canal pago + Globosat. A julgar pelos três primeiros episódios "Narcos" não parece acrescentar muito, mas é bem realizado e tem condições de agradar o público brasileiro, especialmente o fã de Wagner Moura e quem não conhece direito a saga do traficante.
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