“Narcos” flerta com público latino e ironiza ação americana antidrogas
Mauricio Stycer
03/08/2015 00h01
Murphy sugere que Bonilla teria agido por pressão dos americanos e, por isso, poderia sofrer duras consequências. Irritado, o ministro critica a arrogância do agente americano, dizendo que a DEA apenas o ajudou com um detalhe (uma foto de Escobar na prisão) e que ele combateria o tráfico de drogas com ou sem o auxílio dos EUA.
Na cena seguinte, a caminho do aeroporto, Bonilla é assassinado por dois homens numa motocicleta, enviados por Escobar. Ao chegar à cena do crime, o agente da DEA e seu parceiro, Javier Peña (Pedro Pascal), constatam que o ministro não estava usando o colete.
Inspirada em fatos e personagens reais (todos os citados aqui existiram), "Narcos" estreia no próximo dia 28 no Netflix, que encomendou o programa. Destaquei esta cena porque a série, apesar de ser uma produção norte-americana, e contar a história do ponto de vista do agente Murphy, flerta o tempo todo com o público latino.
O UOL assistiu aos primeiros três dos dez episódios. Pelo que vi, "Narcos" dá a entender que não pretende glorificar a ação do governo dos Estados Unidos na Colômbia. Ao contrário, quer mostrar também os problemas – e mortes – que causou, bem como sublinhar o papel dos norte-americanos enquanto usuários da droga contrabandeada da América do Sul (veja abaixo um trailer legendado).
Centrada em torno de Escobar, a série busca mostrar como o traficante encontrou as condições ideais, entre o final dos anos 70 e início dos 80, para explorar o negócio ainda incipiente da cocaína. Corrompendo diferentes níveis de poderes policiais e políticos na Colômbia, aliciando "soldados" entre as camadas mais pobres da população e atuando como "benfeitor" junto à população, o traficante conquistou a aura de "Robin Hood".
A chave do sucesso inicial dos negócios do traficante, mostra a série, é a descoberta de que em Miami se encontra um mercado consumidor ávido pelo pó branco de origem colombiana.
Este olhar crítico sobre o consumidor da droga, que alimenta o tráfico, lembra muito os dois filmes da série "Tropa de Elite" – e não é à toa. "Narcos" é dirigido por José Padilha, diretor de ambos, e conta com Wagner Moura (o capitão e coronel Nascimento dos longas) no papel principal, como Pablo Escobar.
O namoro com o público latino é visível em outra "concessão", a língua. Com exceção dos americanos, todos os demais personagens falam em espanhol. Aparece, ainda, na diversidade do elenco, que conta com nomes conhecidos de vários países: Juan Pablo Raba e Manolo Cardona (Colômbia), Stephanie Sigman e Ana de la Reguera (México), Luis Guzman (Porto Rico) e o brasileiro Andre Mattos (também de "Tropa de Elite"), entre outros.
A narração onipresente e levemente auto-irônica do agente Murphy em "Narcos" também faz lembrar de "Tropa de Elite 2", cuja história é narrada em tom semelhante pelo coronel Nascimento.
Além de dirigir, José Padilha é também um dos produtores executivos da série, ao lado do americano Eric Newman. A criação é de Chris Brancato, autor de episódios de "Hannibal", "Lei e Ordem" e "First Wave", entre outras, com Doug Miro and Carlos Bernard.
A história de Pablo Escobar já foi contada em verso e prosa, inclusive numa novela ("O Senhor do Tráfico") que fez bastante sucesso no canal pago + Globosat. A julgar pelos três primeiros episódios "Narcos" não parece acrescentar muito, mas é bem realizado e tem condições de agradar o público brasileiro, especialmente o fã de Wagner Moura e quem não conhece direito a saga do traficante.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
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