O que não foi mostrado e dito no caso da agressão ao repórter do “CQC”
Mauricio Stycer
08/09/2015 14h44
Nada justifica uma agressão física a um repórter, mesmo ele fazendo perguntas atrevidas e comentários agressivos. Dito isso, gostaria de fazer algumas considerações sobre o rumoroso caso que envolveu Lucas Salles, do "CQC", e um entrevistado, exibido no programa desta segunda-feira (07).
A gravação ocorreu na sexta-feira (04) e no mesmo dia ainda um trecho de 30 segundos, divulgado pela Band, foi publicado em primeira mão pelo site Notícias da TV.
É normal as emissoras divulgarem com antecedência detalhes de seus programas com a intenção de promovê-los. A Band entendeu que mostrar um repórter do "CQC" levando um soco ajudaria a atrair espectadores para o programa.
O quadro "Haters", que Lucas Salles apresenta, busca confrontar autores de comentários odiosos na internet. Como já discuti aqui no blog, é uma situação complicada, na medida em que frequentemente coloca em questão o direito à liberdade de opinião.
Nesta semana, ele entrevistou um homem, identificado como Pietro, que fez comentários sobre a chacina que resultou na morte de 19 pessoas em São Paulo. "Bandido bom é bandido morto", escreveu o sujeito. Ao longo do seu diálogo com Pietro, Lucas tenta convencê-lo a mudar de opinião, sem sucesso. E, inconformado, acaba ofendendo o entrevistado:
Lucas: Você não acredita em recuperação (de criminosos)?
Pietro: Não acredito em recuperação…
Lucas: Eu também não acredito, não. Tô aqui conversando com você e achei que você fosse melhorar com essa conversa e não.
Pietro: É mesmo?
Neste momento, o entrevistado dá um soco no repórter. Em seguida há um corte, no qual ficamos sem saber o que houve ou foi dito, e na sequência Pietro se aproxima mais uma vez e volta a atacar Lucas com uma cabeçada. O que motivou esta segunda agressão?
Lucas: Por que você está me batendo, irmão?
Pietro: Vocês vieram me agredir aqui, vocês são malucos.
Há um novo corte e Lucas aparece chegando a uma delegacia. Uma imagem mostra que Pietro já está lá dentro. Novo corte abrupto e, já fora do distrito, Pietro pede desculpas a Lucas pela agressão. "Foi o calor do momento", diz. "Não quero incitar pessoas a matar bandidos. Não é esse o ponto do meu comentário. Apenas exprimi uma opinião popular."
Depois da exibição do quadro, comentei com Lucas Salles, por meio do Twitter, que senti falta de uma explicação sobre o que aconteceu dentro da delegacia e o que levou o rapaz a mudar de opinião.
O repórter respondeu: "Nos fizemos o B.O. (boletim de ocorrência), a delegada disse que a culpa era dos dois (mais minha, por incrível que pareça) e que devíamos resolver isso e pensarmos se queríamos levar à frente. Ela nos passou para outra delegacia (aquela estava sem luz) e, no meio do caminho, ele disse que queria pedir desculpas. Acho que foi uma questão de montagem/edição mesmo."
Perguntei, então: e por que a delegada achou que você era mais culpado do que ele? "Ela era amiga dele. Juro por Deus", disse Lucas. "Pelo que você está relatando foi uma situação bem mais complexa do que a mostrada no programa", escrevi. "Sim! Mas não quiseram mostrar isso. Fugiria muito do propósito do quadro", respondeu o repórter.
Num caso tão delicado e complexo quanto esse, toda a transparência seria bem-vinda.
Veja abaixo a reportagem:
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
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