Velho Chico vai mostrar embate entre a velha política e jovens sem partido
Depois de 24 capítulos, ambientados entre o final dos anos 60 e meados da década de 80, "Velho Chico" entra nesta segunda-feira (11) em sua segunda fase, que se passa nos dias atuais. A passagem no tempo, de 28 anos, marcará uma guinada significativa na novela das 21h30 da Globo.
O UOL assistiu, na ilha de Cajaíba, em São Francisco do Conde, a 70 km de Salvador, a gravação de cenas que serão exibidas na nova etapa – a festa do centenário de Encarnação (Selma Egrei), nos jardins e no casarão dos Sá Ribeiro. Sai Rodrigo Santoro, que viveu o chefe do clã na juventude e início da fase adulta, e entra em cena Antonio Fagundes, agora na pele de um coronel próximo dos 70 anos.
Ele perdeu a elegância da primeira fase e exibe uma barriga, mas está mais vaidoso, pinta o cabelo e busca parecer mais jovem do que é. Vive junto com o amor da juventude, a cantora "cigana" Iolanda (Christiane Torloni). Sua filha, Maria Teresa (Camila Pitanga) está casada com o deputado federal Carlos Eduardo (Marcelo Serrado).
Comandando 250 pessoas, entre técnicos, atores e figurantes, o diretor Luiz Fernando Carvalho explica a nova etapa de "Velho Chico":
"É um corte brutal, de tempo, espaço e questões em relação ao Brasil. Algumas continuam as mesmas, outras foram abandonadas, outras avançaram. A essência está muito clara nas páginas dos jornais de hoje: houve uma grande decepção com a classe política, independentemente dos partidos. Houve um abandono das questões brasileiras", diz.
O coronel Afrânio representa um dos lados da história: "Embora não seja um político, ele é um empreendedor à moda antiga. Reproduz aquele modelo da Casa Grande & Senzala, com todas as suas contradições, discrepâncias… Ele existe. Ele está aí até hoje. Ele ajuda o país a emperrar, a retroceder em momentos fundamentais, mesmo de transições naturais do Brasil."
Enquanto o coronel deseja que tudo permaneça como está, uma nova geração entra em cena. É formada pela filha, Maria Tereza, o neto de Afrânio, Miguel (Gabriel Leone), seus amigos e conhecidos. São eles que vão confrontar o velho poder. "O país ainda não está preparado para promover mudanças consistentes na sua estrutura cultural. Vejo ele muito precário ainda. Estas mudanças terão que vir de uma nova geração, de fora para dentro", diz o diretor.
"Admirável mundo novo"
"A nova geração da história eu apelidei como 'admirável mundo 'novo'. Pessoas totalmente deslocadas desta polarização de esquerda e direita, azul e vermelho. Eles não estão a fim disso. Isso não interessa mais. É velho. Morreu, mofou", afirma Carvalho. "Tem gente tirando muito lucro e vantagem em cima disso ainda. Mas essa nova geração tem novas formas de pensar o mundo e de produzir riquezas".
Ao final de um dia de gravações, o diretor fala com muita tranqüilidade sobre como vê o seu papel à frente do principal produto da Globo. "Há um posicionamento da minha parte, muito claro. Estou querendo falar do país, dessa estrutura oligárquica, deste atraso, que é sedutor", diz. "Essas reflexões sobre o país, infelizmente, foram abandonadas. Por isso, acho que é um momento oportuno."
"Parto de uma dramaturgia clássica, do Benedito Ruy Barbosa, um cara que conheço muito bem e admiro. É um homem que sempre soube passar as cartas do social muito bem. Mas como se trata da quinta novela que trabalho com ele, minha vontade é meter a mão mais fundo", explica.
Segue Carvalho: "Guardo comigo um certo amadorismo em relação às novelas. Não me considero um noveleiro. Talvez por isso tenho um espírito corajoso e curioso, e guarde uma fé em relação a este conteúdo, onde muita gente já desprezou ou acha que tem que fazer uma revolução para parecer um seriado americano. Não acho que precisa disso. Acho que precisa fazer uma reflexão para parecer novela brasileira de boa qualidade, com as coordenadas e temas brasileiros. Quanto mais a gente se desvia disso, mais a gente perde essa interlocução com o público".
E diz ainda: "Sou um cara que acredita no país. Não tenho cinismo. Muito ao contrário. Tenho uma seriedade e uma fé nas histórias brasileiras que estão todas aí para serem contadas."
"Romeu e Julieta" sertanejo
Para quem se encantou e emocionou com o amor impossível entre Maria Tereza e Santo (agora vivido por Domingos Montagner), Carvalho avisa que a história continua. "O grande Shakespeare, o 'Romeu e Julieta' sertanejo continua, mas só que a menina tem esse pai como antagonista. Ela vai querer mover esse pai".
Carvalho enxerga o coronel Saruê, à maneira de Oswald de Andrade, como um tipo "tropicalista, populista, antropofágico". O protagonista da novela, na nova fase, pode ser "uma mistura de Donald Trump com os Sarneys da vida, ACM (Antonio Carlos Magalhães), Carlos Menem, todos os nossos latino-americanos, metade galãs, metade presidentes da República", diz.
"São políticos que faziam plástica, pintavam o cabelo, tinham esse lado de galã mexicano. Que Ronald Reagan também tinha. Esse cara (Saruê) assimila tudo isso e dá à novela essa eletricidade do tragicômico e, às vezes, do patético", adianta o diretor.
É a hora de o rio São Francisco, o velho Chico, mostrar por que é um personagem fundamental. "A novela, na nova fase, mostra mais camadas contraditórias, embates. Enquanto o romance é mais plano, agora terá mais contradições. Esse pai agora, ao mesmo tempo, está destruindo o rio São Francisco".
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O jornalista viajou a convite da Globo.
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