Não está entendendo “Velho Chico”? Leitor noveleiro ‘desenha’ pra você
Mauricio Stycer
30/04/2016 06h01
O advogado pernambucano Marcelino Quirino, de 42 anos, publicou o texto abaixo no meu perfil no Facebook. Grande noveleiro ("costumo dizer que fui criado vendo novela nos anos 80", diz), ele me autorizou a republicar o seu comentário no blog. Com muita lucidez, Quirino explica algumas questões que têm levantado dúvidas em espectadores de "Velho Chico".
Personagens vivem em 2016, mas têm a cabeça no século 19
São pessoas com o pensamento arcaico, já fora da realidade, apesar de contar com alguns elementos da modernidade, como por exemplo computador. A matriarca Encarnação (Selma Egrei) é o melhor exemplo disso, da maneira como se veste ao trato com os seus empregados. É um povo parado no tempo.
Não existe mais qualquer indício daquele jovem boêmio do primeiro capitulo, tão bem interpretado por Rodrigo Santoro. O que existe agora é um senhor feudal, debochado, enorme de gordo, de uma vaidade em nível tão elevado ao ponto de se tornar ridículo. Eu pelos menos vi vários deles na votação do impeachment.
Porque a única arma que ela tem é o poder de ser mãe e dona de casa, cuidadora da sua prole, e não existe representação melhor para isto que a colher de pau que ela estava usando para fazer o jantar na hora do tiroteio na fazenda Piatã. Prova que ela conseguiu convencer Dona Encarnação quando falou do filho que ela perdeu.
Na verdade as pessoas deviam assistir a novela com muita atenção, e se perguntando o que esta cena quer dizer, o que este ambiente fala sobre essas pessoas, o que esses objetos e roupas significam para os personagem que os usam.
Em nenhum momento vejo as pessoas comentarem o por quê de tal personagem agir assim, a personalidade de cada um. Não vejo resenhas na internet destacar a beleza de uma cena, ou o enredo político sempre presente nos diálogos, ou ainda como veio à tona uma série de emoções ao ouvir uma das maravilhosas músicas da trilha sonora.
Tudo que está ali, quem conhece o interior do Nordeste, está perfeitamente caracterizado, e o que é "exagero" serve para chamar nossas atenções, não por ser erro ou falta de conhecimento de nossa realidade, mas para criticarmos o modo de vida atrasado pelo qual inúmeras pessoas ainda vivem, exploradas pelo poder dos Coronéis Saruês espalhados por aí.
Torço muito para que a novela não seja descaracterizada, e que o telespectador deixe de preguiça e interprete o que está sendo apresentado. Temos que nos acostumar a assistir a novela e não apenas ver.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
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