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Autores da Globo estão fazendo “antinovela”, critica Aguinaldo Silva

Mauricio Stycer

11/07/2016 23h16

aguinaldorodavivaConvidado do "Roda Viva", na TV Cultura, nesta segunda-feira (11), Aguinaldo Silva fez uma crítica séria aos seus colegas da Globo, autores de novelas do horário nobre. Sem citar nomes, ele enxerga um movimento de fuga dos padrões clássicos do folhetim – e considera isso um erro.

"O grande problema das novelas é que os autores ficaram meio envergonhados de fazer novela e começaram a fazer antinovela. Nem melodrama nem folhetim. O publico quer ver herói e vilão", disse.

Em outro momento da entrevista, questionado sobre a queda da audiência das novelas das 21h, disse: "Não acho ético falar do trabalho dos meus colegas. Não vou fazer julgamento. As pessoas ligam, sim, a televisão no horário das 21h. As pessoas não estão vendo menos as novelas, estão vendo outras coisas…"

Ao ser indagado sobre o sucesso das novelas bíblicas da Record, observou: "'Os Dez Mandamentos' é o maior melodrama de todos os tempos. O Antigo Testamento está cheio de grandes melodramas. O sucesso se deveu a isso. Toda vez que fizerem uma versão dos 'Dez Mandamentos' vai fazer sucesso." E acrescentou: "Acho ótimo ter concorrência. Sempre achei estranho um canal ter monopólio".

Viciado em séries desde que assistiu "A Família Soprano", Aguinaldo entende que é possível e necessário buscar inspiração em novos formatos para escrever novelas, mas não se deve perder de vista a essência dos folhetins.

"Os autores absorvem muita coisa dos seriados. 'Império' absorveu. A agilidade, por exemplo. Alguns personagens. Mas você tem que falar a linguagem do espectador. Não pode ser uma linguagem intelectual. Por mais que os temas sejam sérios, têm que ser populares, tratados com leveza", disse. "Hoje, se você faz uma cena longa, as pessoas levantam e vão fazer xixi".

Como já disse em outras ocasiões, apesar de enxergar a telenovela como um gênero menor, exclusivamente destinado ao entretenimento, o autor reconhece a importância da teledramaturgia brasileira.

"No futuro, se alguém quiser saber como foi o Brasil do século 20 vai procurar nas novelas", disse. "Elas pintaram o retrato, ainda que exacerbado, de como é o Brasil. Embora não seja tratada como uma coisa séria, ela é muito séria, sim".

Aguinaldo contou que é muito metódico e organizado quando escreve novela. Procura ter pelo menos 36 capítulos de frente guardados. "Trabalho de 7h ao meia-dia. Faço lanche, durmo, e retomo às 14h. E trabalho até as 19h. Depois vejo novela, noticiário, novela, ligo pro diretor. À 0h30 vou dormir", contou.

"Quando a novela dá errado você tem que sentar o rabo e consertar", disse, citando "Suave Veneno" como uma novela sua que deu errado. "Tinha uma belíssima história e não sabia como contar. Errei no começo. E consertei."

Mais uma vez, Aguinaldo explicou por que é contra a exibição de beijo entre homens em novelas. "O autor não escreve para ele, mas para o público. Você escreve para 60 milhões de pessoas. Nem todo mundo mora em Ipanema ou Leblon. Sempre penso na minha mãe. Você tem que saber como avançar. Se você provoca rejeição você provoca queda de audiência, queda na publicidade, pavor na emissora", disse.

"Eu me considero um conservador. Me tornei uma pessoa muito careta e afeito à solidão. O novelista precisa da solidão para escrever. Nos prédios onde moro, a pessoa mais bem comportada sempre sou eu", observou, rindo.

Ao mesmo tempo, Aguinaldo acha que o "politicamente correto" está prejudicando a criação. "O politicamente correto é uma praga. Como a zika. A cada dia se descreve um efeito maléfico do vírus. Quanto mais você cede, mais ele cresce. Hoje em dia você não pode escrever mais nada".

O autor elogiou Silvio de Abreu, diretor de Teledramaturgia da Globo, responsável por todas as novelas da emissora. "O Silvio está botando ordem da orgia. Tem agora uma organização e ele abriu o leque de autores".

Por outro lado, Aguinaldo vê com cautela o surgimento de novos autores: "Você não se revela com uma novela só. Estou esperando que eles façam outras. Demorei cinco ou seis novelas para entender o mecanismo, todo o circo que envolve a novela". Segundo ele, a nova geração de autores será mais influenciada pelos seriados do que pelas novelas antigas. "E isso é bom"

Bem ao seu jeito, Aguinaldo relativizou o sucesso de "Totalmente Demais", a última novela das 19h30 da Globo. "É 'Pigmaleão'.Vai fazer sucesso sempre. Como 'Os Dez Mandamentos'."

E também criticou a onda de "remakes" de novelas: "Faltam bons sucessos no presente", fulminou. Questionado sobre um possível remake de "Tieta", disse: "Não é possível. 'Tieta' é como 'E o Vento Levou'. É definitiva"

Mediado por Augusto Nunes, Aguinaldo Silva foi entrevistado por Lígia Mesquita (Folha de S. Paulo), Robinson Borges (Valor Econômico), Helen Braun (Jovem Pan), Bruno Garcia (ator) e Bruno Meier (Veja).

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.