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Com formato incomum na TV brasileira, “Justiça” quer reeducar fã de novela

Mauricio Stycer

25/07/2016 06h01

JusticaAdrianaEstevesCom estreia programada para 22 de agosto, um dia após o término dos Jogos Olímpicos do Rio, "Justiça" vai chamar a atenção por seu formato, tão ousado quanto incomum na televisão brasileira.

A série conta quatro histórias diferentes, de pessoas que passaram sete anos presas, condenadas por crimes variados. No ar de segunda à sexta (menos às quartas), a cada dia um destes casos é relatado. Em todo episódio, porém, há cenas conjuntas, em que os personagens das outras histórias se entrecruzam.

Na segunda-feira, por exemplo, o público acompanhará o drama de Elisa (Débora Bloch), cuja filha Isabela (Marina Ruy Barbosa) foi assassinada pelo noivo Vicente (Jesuíta Barbosa). Na terça, será o dia da história de Fátima (Adriana Esteves), que matou o cachorro do vizinho, um policial (Enrique Diaz), e acaba presa, acusada de tráfico de drogas.

Fátima trabalha como empregada doméstica no apartamento de Elisa. Desta forma, uma personagem será vista, em função coadjuvante, na história da outra. Os protagonistas das outras duas histórias também aparecerão em todos os episódios (no fim do texto há um álbum de fotos com o resumo de cada história).

Com texto de Manuela Dias ("Ligações Perigosas") e direção de José Luiz Villamarim ("O Canto da Sereia", "Amores Roubados", "O Rebu"), "Justiça" irá ao ar por cinco semanas, sempre depois da novela das 21h15.

"O que acho legal da série é este formato", diz Villamarim ao UOL. "A gente tem que avançar na televisão. Depois dos seriados americanos, de tudo que aconteceu na televisão, o nosso desejo é que avance. Temos que reeducar o nosso espectador, de certa maneira".

JusticaDeboraBlochCassioGabus"A gente vai botar no ar uma série em que na segunda-feira termina com uma mulher com um revólver indo matar o assassino da sua filha e só retomar isso na outra segunda-feira", avisa o diretor.

"Nós, brasileiros, que vemos muita novela, estamos acostumados a ter na terça-feira imediata o resultado disso. Mas vamos ter que ver outra história, na qual esta personagem também aparece, e esperar até a outra segunda-feira para saber o que acontece. Isso, pra mim, é muito importante. É importante a empresa estar fazendo isso", completa Villamarim.

"Acho que faz parte dos nossos desafios sempre avançar um pouco", concorda Manuela. "Dar um pouco do que as pessoas já sabem e dar um pouco do que elas não sabem – um tanto para elas se agarrarem àquela narrativa e um tanto para elas terem vontade de se agarrar".

Como diz Picasso…

A proposta de cruzar diferentes histórias dentro de um mesmo enredo não é nova. Vários filmes já se arriscaram, com sucesso, por este formato, como "Short Cuts" (1993), de Robert Altman, "Crash" (2004), de Paul Haggis, além dos três primeiros longas de Alejandro Iñarritu ("Amores Perros", de 2000, "21 Gramas", de 2003, e "Babel", de 2006).

Questionado a respeito, Villamarim cita uma frase famosa, atribuída ao pintor Pablo Picasso (1881-1973): "Os bons artistas copiam, os grandes roubam". E diz: "Acho essa frase genial. Não há nada de novo sob o sol. Não tenho esse tipo de preocupação".

justicamanueladiasManuela (foto) acrescenta: "Esse formato veio muito junto com a própria ideia. Nasceu como uma forma de eu explorar a ideia. Dar volume humano para a cidade", diz. "Você quer que o ônibus pare no ponto, mas o motorista pode ter perdido a mãe no dia anterior. Ou a mulher dele foi presa. Nesse sentido, a cidade é um personagem", acrescenta.

"O formato potencializa a própria ideia de pesquisar uma dimensão pessoal escondida", diz a autora. "A intimidade de quando a justiça é feita acontece no quarto das pessoas, no banheiro, na sala. Não é na rua".

Iscas para fisgar o público

JusticaCauaVillamarimO diretor de "Justiça" enumera os trunfos da série, capazes de manter o espectador fiel ao programa. O primeiro é justamente a vontade de saber o que acontecerá com aqueles personagens soltos em alguns episódios. "O Cauã Raymond aparece no episódio 1 no telefone. Quando ele se vira, ele vê a mulher dele saindo do teatro. No episódio 2, ele aparece na empresa. No episódio dele (o de sexta-feira), você vai entender essas cenas. Todo mundo cruza. É engenhoso. É como se fosse dramaturgia com matemática", diz Villamarim.

Em segundo lugar, o diretor aposta na representação realista, quase documental, da trama, baseada em histórias muito dramáticas e factuais. "Interfiro menos no que está ao nosso redor. Até a questão da luz (feita por Walter Carvalho). Cabe dentro de uma série que tem uma história dramática muito forte e muito próxima do cotidiano da gente".

JusticaDricaCalloniE, por fim, a emissora aposta em um elenco de peso, com muitos atores conhecidos em cada episódio. Além dos já citados, há ainda Drica Moraes, Antonio Calloni, Cassio Gabus Mendes, Luisa Arraes, Marjorie Estiano, Vladmir Brichta, Camila Márdila, Jéssica Ellen.

Villamarim cita "House of Cards" e outros seriados americanos ao falar de outro aspecto importante de "Justiça", o que ele chama de "exercício de roteiro". "Por que o personagem está aqui? Não tem que explicar tudo. O espectador vai acreditar", diz. "A serviço de contar uma história de ficção, você faz exercícios de roteiro. Há uma cultura brasileira da reiteração que você tem que questionar", acrescenta.

Um caso real

Na origem de "Justiça" está um caso que a autora, Manuela Dias, presenciou em seu cotidiano. "A moça que trabalhava na minha casa pediu ajuda porque o marido dela tinha sido preso por ter matado o cachorro do vizinho, que invadia a casa dele. O vizinho era um policial. O cara ficou preso. A semente do negócio foi esse. Claro que tudo isso foi metamorfoseado na minissérie."

O título da série pode levar o espectador a entender que o tema é outro. Manuela esclarece: "A série é muito mais sobre o justo do que sobre a justiça ou sobre leis. Não tem nenhuma cena de tribunal ou de cadeias. A ideia é pesquisar como na vida pessoal cada um a justiça passa devastando".

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Viajei ao Rio a convite da Globo.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.