Contrato entre Globo e Neymar foi ruim para o jornalismo e o espectador
Mauricio Stycer
19/02/2018 16h00
A notícia do dia, publicada pela "Folha", combinou esporte e mídia. Reportagem de Alex Sabino e Diego Garcia mostrou que Neymar manteve um contrato com a Globo em 2014 e 2015. A relação de parceria, escrevem os jornalistas, não impedia o atleta de atender outros veículos, mas dava regalias à Globo, como ter acesso a informações antes dos concorrentes, obter entrevistas exclusivas e outros privilégios.
Muita gente se perguntou qual seria o problema desta associação. Vou tentar explicar. Ainda que não seja ilegal, uma relação deste tipo entre a principal emissora e o maior jogador do país, no ano da Copa do Mundo no país, tem uma série de implicações éticas para quem é jornalista.
Sendo Neymar um personagem cujo contato com os jornalistas é muito controlado, é fácil imaginar que a Globo foi beneficiada por ter uma relação de negócios com o craque. A reportagem da "Folha" lembra as muitas participações do jogador na programação da emissora em 2014. Canais concorrentes mereceram tratamento parecido?
Além de desfavorecer a concorrência, um acordo deste tipo coloca em questão o jornalismo da Globo. Os profissionais da emissora, muito competentes, tiveram liberdade para tratar Neymar com o rigor necessário? Ou foram orientados a "pegar leve" com o craque nas muitas entrevistas exclusivas que ele deu?
Mensagens reproduzidas pela "Folha" mostram que o estafe de Neymar julgava ter direitos que não combinam com a prática de bom jornalismo. "Tinha sido garantido que a entrevista seria gravada e, caso algum assunto, pergunta ou resposta não fosse adequada, poderia solicitar que fosse excluída", afirma o pai de Neymar a um assessor.
A Globo é parceira da CBF, de quem compra os direitos de transmissão de partidas oficiais e amistosos da seleção brasileira. Isso dá à emissora direito a acesso que outros não possuem. Mas alargar este direito a um jogador impressiona.
Também chama a atenção o fato de que em 2014/15 a área de esportes da Globo ainda estava vinculada ao jornalismo, cujas regras são bem claras quanto a importância de manter totalmente separadas as áreas de noticiário e publicidade. Desde o ano passado, o esporte se tornou uma unidade autônoma.
Neymar é um ídolo e sua presença na TV é uma alegria para os fãs. Mas imaginar que as suas participações na TV em 2014/15 foram embaladas por negócios é muito ruim para o jornalismo e, em última instância, para o espectador.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
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