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“Onde Nascem os Fortes” ensinou a olhar de outro jeito para a ficção na TV

Mauricio Stycer

12/07/2018 05h01


Uma cena de dois minutos exibida no episódio de segunda-feira (09) ajuda a entender a ambição de "Onde Nascem os Fortes". Ela mostra o rompimento do romance entre Samir (Irandhir Santos), líder espiritual da comunidade mística do Lajedo, e a sedutora Joana (Maeve Jinkings).

Ao fundo, se ouve a canção "Canto do Povo de Um Lugar", de Caetano Veloso. O diálogo, dito pausadamente, se resume a estas cinco falas:

Samir: A resposta pra qualquer aflição, de qualquer pessoa nesse mundo aqui, tá dentro dela mesma. Mas ajuda falar.
Joana: A vida no Lajedo é muito calma pra uma alma atormentada como a minha. Talvez eu seja fútil, egoísta, vaidosa…
Samir (cantarolando): Passarim, quando quer voar, não se tora a asa, passarim. Quando quer voar, não se tora asa, passarim.
Joana: Sabe o que é pior? Eu vou sentir falta disso aqui. Vou sentir falta e vou lembrar que tu me disse: a gente não é uma coisa só nessa vida. Ninguém é uma coisa só. Fica bem.
Samir: Eu não vou ficar bem. Sem tu eu não vou ficar bem. Mas eu vou ficar pior se tu ficasse mentindo pra gente.

Em momento algum, o espectador vê os rostos dos personagens. O enquadramento ao longo de todo o diálogo é o mesmo que se vê nesta imagem (acima): duas cabras em primeiro plano, um cavalo ao fundo, à direita, e os dois, distantes, sentados em cadeiras, em meio à paisagem seca do sertão.

Acho que não há chance de assistir uma cena assim, tão bonita e pouco convencional, em qualquer emissora ou mesmo na Globo em qualquer outro horário. É evidente que esta cena não resume o que foi "Onde Nascem os Fortes". Mas ela é um belo exemplo de esforço de fazer o espectador olhar de outro jeito para a ficção na TV.

Em momento algum, o diretor José Luiz Villamarin e os autores George Moura e Sergio Goldenberg ofereceram a facilidade encontrada em outras novelas. Mesmo quando enveredaram pelo melodrama típico do folhetim, pareciam estar produzindo cinema de arte.


"Onde Nascem os Fortes" termina na próxima segunda-feira (16), ao fim de 53 capítulos. Escrevo antes de ver os últimos três. Seria injusto citar um ator que tenha se destacado mais do que outro. Mais uma vez, foi impressionante ver como Villamarin escolheu bem o elenco e extraiu o máximo de cada um em cena.

Com poucos personagens centrais, menos de dez, a supersérie foi construída de forma muito engenhosa, surpreendendo não apenas com ângulos e visuais inesperados, mas com desdobramentos impensáveis da história. Nenhum personagem foi o que se imaginava dele no início.

Por ser uma história sobre a busca por justiça, liderada por uma mãe, Cássia (Patrícia Pillar), e sua filha, Maria (Alice Wegmann), os dois principais antagonistas, o juiz Ramiro e o delegado Plínio, foram, de certa forma, os grandes personagens da supersérie. Seguros da impunidade, ambos ofereceram doses diárias de crueldade, egoísmo e violência. E foram desenhados com muitas nuances, ou camadas, como se diz. Fabio Assunção e Enrique Diaz se esbaldaram em cena.

Também houve inúmeros dramas familiares e amorosos, alguns até batidos, outros mais intrincados e surpreendentes. Mas mesmo quando enveredou por caminhos que lembram um novelão, "Onde Nascem os Fortes" contou com desempenhos extraordinários do elenco, que colocaram a supersérie em outro patamar.

Escrevo sem saber se Moura e Goldenberg vão oferecer alguma dose de esperança no final de "Onde Nascem os Fortes". O retrato do Brasil que serviram nos primeiros 50 capítulos foi uma pancada na alma – realista, mas duríssima e triste de ver.

"Se a gente olhar para o Brasil do sertão do Lampião, do século passado, e o Brasil de hoje, em relação à Justiça, não mudou tanto", me disse Goldenberg antes da estreia. "A Justiça não é para todos, os laços de amizade e compadrio ainda interferem nas instituições. A bravura da Maria e da Cássia, em meio a essa brutalidade e aridez, move a história."

"O que devemos fazer quando, depois de recorrer aos poderes constituídos, não obtemos respostas? Não temos essa resposta. Mas achamos que é bom tratar disso, refletir sobre isso", acrescentou Moura.

Além dos atores já citados, registro a entrega de tantos outros, como Debora Bloch, Alexandre Nero, Gabriel Leone, Jesuíta Barbosa, Lee Taylor, Lara Tremouroux, Camila Mardila, Carla Salle, José Dumont, Clarissa Pinheiro, Antonio Fabio, Démick Lopes, Ravel Andrade, Marcos de Andrade, Bruno Goya, Pedro Wagner, Nanego Lira, Giordano Castro, Erivaldo Oliveira e Pedro Fasanaro.

Em meio a tanto mais do mesmo na TV, "Onde Nascem os Fortes" deixou a sua marca.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

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