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Só no fim, "Segundo Sol" mostra coragem para rir de si mesma e do Brasil

Mauricio Stycer

10/11/2018 05h01

"Laureta no poder, garantia de prazer. Laureta 6969. Votem Laureta", diz a cafetina em sua última cena

Um recurso que faltou em quase toda a novela sobrou no último capítulo: deboche. Sem medo, "Segundo Sol" não se levou a sério e riu de si mesma. Também tripudiou do modelo engessado das novelas da Globo e da realidade brasileira.

Toda a sequência do sequestro do bebê de Rosa foi digna de uma produção top da Televisa. A cena mais cômica de todas talvez tenha sido a que mostrou Karola (Deborah Secco) se colocando diante de Severo (Odilon Wagner), o pai que ela descobriu no antepenúltimo capítulo, para evitar que Laureta (Adriana Esteves) atirasse nele. Ou a que exibiu o exército de Brancaleone achando que estava num seriado americano, tipo "MacGyver", invadindo a casa da vilã para resgatar o bebê. Ou, por fim, o "sacrifício" de Karola, morrendo para evitar que Valentim (Danilo Mesquita) fosse atingido pelo tiro disparado por Laureta, sua mãe.

Este excesso de absurdos não foi acidental. Ao exagerar em algumas situações, como a deste sequestro, João Emanuel Carneiro deu a entender que estava entregando o que se esperava dele: clichês e facilidades, como apontou o crítico Nilson Xavier. Quase dizendo que a novela não era dele.

Já a cena do beijo de Groa (André Dias) em outro homem, de uma naturalidade total, que não se viu nos demais 154 capítulos, passou a impressão mais de medo do que de coragem. O mesmo que se observou no tratamento hesitante que o autor deu para o caso de Maura (Nanda Costa) e Selma (Carol Fazu). Impossível não lembrar da rejeição sofrida por "Babilônia", que exibiu um beijo entre duas mulheres, as personagens de Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg, no primeiro capítulo.

Laureta ofereceu a Carneiro a oportunidade de alguma crítica social e muito deboche. Primeiro, o autor a mostrou como uma espécie de rainha da cadeia, tendo ao seu dispor não apenas uma criada como também mordomias que lembraram as que um ex-governador encarcerado foi capaz de usufruir.

Remy (Vladmir Brichta), no papel de cafetão, também serviu ao autor para um desabafo que ele evitou em quase toda a novela. Diante da surpresa de uma garota de programa com a notícia de que Laureta seria solta, ele disse: "Ah, como vocês são inocentes. A inocência de vocês é comovente. Isso aqui é Brasil, criançada! Isso aqui é Brasil, criançada!!!".

Ao deixar a prisão, diante da imprensa que a aguardava, Laureta afirmou que as acusações contra ela eram mentiras. "Fake news. Estamos na era fake. Chega de mentiras nesse país", disse. Anunciou que o seu próximo passo seria a política. "Alguém precisa botar ordem nessa zona e esse alguém sou eu". Explicou que planejava ser "uma mãe para esse povo tão sofrido que precisa de diversão e alegria" – talvez estivesse se referindo ao mesmo "povo" que assistia "Segundo Sol".

Questionada sobre seus planos para a economia, a futura política se recusou a responder: "E tenho dito, minha linda". Por fim, anunciou o seu slogan: "Laureta no poder, garantia de prazer. Laureta 6969. Votem Laureta".

Por fim, a última cena de "Segundo Sol" expressou tudo que a novela poderia ter sido e não foi – uma comédia sarcástica sobre a indústria musical. Clóvis (Luis Lobianco) e Gorete (Thalita Carauta) planejaram fazer algo para chamar a atenção e ficar famosos. "Uma tragediazinha", ensinou ela, dando a ideia de um falso naufrágio. Em vez de concluir com a cena de festa, com todos os personagens, a novela terminou rindo dos dois fracassados enquanto eles viviam um naufrágio de verdade.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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