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É simbólico e, infelizmente, ainda é notícia, diz Maju sobre bancada do JN

Mauricio Stycer

14/02/2019 16h25

Neste sábado (16), às 20h30, pela primeira vez nos 50 anos de existência do "Jornal Nacional" uma jornalista negra estará sentada na bancada. Maria Júlia Coutinho fará história – e está muito feliz com isso.

A notícia, divulgada nesta quarta-feira (13), causou verdadeira comoção. Elogios e saudações vieram de todas as partes. Para comentar o fato, Maju, como é conhecida, conversou com o UOL. Abaixo a íntegra da entrevista, feita por telefone, na tarde desta quinta-feira (14):

Por que é notícia você entrar na escala de plantonistas do JN?
Maria Julia Coutinho: Porque tem esse fato simbólico de eu ser a primeira mulher negra a ocupar a bancada. É simbólico e, infelizmente, ainda é notícia. É uma comoção para uma população representativa do país que não se viu ainda contemplada naquela bancada.

Isso explica também os muitos elogios? Tanta gente se manifestou, William Bonner, Marcio Gomes, Leticia Colin…

Tem duas coisas aí. Uma é esta comoção. No caso dos meus colegas, são pessoas que estão diretamente comigo e sabem da minha trajetória. Consideram isso uma conquista mesmo. Para os outros, que não me conhecem, realmente é uma comoção pelo simbolismo da representatividade de ser uma mulher negra na bancada do telejornal mais importante do país.

Como foi a repercussão? O que mais você ouviu?
Não consegui parar para ver direito. Foi um turbilhão de mensagens. Não dava para acompanhar enquanto sigo no dia-a-dia. Ouvi muitos elogios. É até assustador. É um comoção que, juro, eu não esperava.

Sinal de que havia realmente algo faltando?
Tem de fato uma sub-representação. E as pessoas realmente estavam carentes disso. Ao observarem que há uma chance desse quadro começar a mudar…Tem a Zileide no JH, temos Heraldo no JN e na GloboNews…Obviamente que eu quero que chegue o tempo em que não se fale mais nisso, que sejamos confundidos… O meu sonho é que, realmente, isso não seja mais notícia um dia.

Houve ofensas?
Alguém falou mal? Me conta. Não tive tempo de olhar detalhadamente. Depois do que eu passei eu estou preparada. Faz parte do jogo. Com ofensas criminosas a gente age como fez da outra vez, usando da lei para coibir. E se forem coisas muito bobas, eu não dou ouvidos.

Em 2015, no JN, você fez aquele breve discurso contra o racismo. "Eu já lido com essa questão do preconceito desde que eu me entendo por gente. Claro que eu fico muito indignada, triste com isso, mas eu não esmoreço, não perco o ânimo, que é o mais importante". A situação mudou de lá pra cá?
Ninguém nunca mais ousou me ofender. Não sei se no pensamento da pessoa… Mas da boca pra fora, nas minhas redes ou na minha cara, eu não ouvi mais ofensa. Porque a gente sabe que existe racismo no Brasil, isso não vai acabar. A repercussão do que houve comigo, creio, me blindou. Mas eu sei que os negros e negras da periferia estão sujeitos a isso, porque o racismo é estrutural no país.

Em janeiro, você apareceu com uma camiseta com nomes de mulheres jornalistas negras. Além do seu, Glória Maria, Zileide Silva, Flávia Oliveira, Joyce Ribeiro, Luciana Barreto e Dulcineia Novaes. O que você quis dizer?
Eu ganhei essa camiseta e quis prestigiar quem me presenteou. São mulheres que admiro muito, são referências para mim. Fiz questão de mostrar a minha admiração por elas e espero que daqui a um tempo não tenha espaço numa camiseta para homenagear jornalistas negras.

Você apresenta a previsão do tempo, diariamente, já há cinco anos, desde 2013. Gostaria de fazer outra coisa?
O que eu gosto é de jornalismo. Gosto de informar e apurar. Procuro fazer na previsão um quadro de reportagem. Acho que tem um tempo de amadurecimento para tudo na Globo. Eu estando numa posição que possa informar, sempre será bem-vinda. Não consigo te falar o que eu quero amanhã. Estou muito feliz com esta oportunidade agora, dada pela emissora, de ser plantonista do Jornal Nacional aos sábados. O que virá, não consigo ficar desenhando muito… O próprio trabalho de previsão do tempo surgiu por acaso. Um acaso delicioso. Não faço este planejamento.

Você participou recentemente da cobertura de Brumadinho, ancorando o Jornal Hoje.
Foi bem marcante. Era meu plantão. Me vi numa situação que eu não esperava enfrentar tão cedo. Fiquei quase sete horas no ar numa cobertura pesada. A conclusão da equipe foi: "A gente está cansado, mas satisfeito com o trabalho que conseguimos fazer até agora." Foi muito gratificante.

E foi um teste pra você?
Foi um teste mesmo. Eu acho, realmente, que a experiência como repórter, que já enfrentou várias coberturas ao vivo, com a rádio também, me deu um traquejo. Mas nunca tinha ficado tantas horas. Foi uma prova de fogo mesmo. Ainda mais com aquela notícia triste, tenebrosa.

A Globo está enfrentando críticas por causa de declarações consideradas racistas no "BBB19". Você está assistindo? O que está achando?
Não estou assistindo. Acompanho o BBB pelas redes sociais e pelo que você escreve. Não parei para ver. Mas acompanho a repercussão. Claro eu ouvi essas polêmicas. Acho que o BBB é um microcosmo da nossa sociedade. Uma sociedade que tem racismo estrutural e isso está vindo à tona. E vir à tona, por mais dolorido que seja, também é uma maneira de forçar a sociedade a promover a reflexão para uma tentativa de mudança de pensamento. E eu espero que mude!

Maju será primeira jornalista negra na bancada do "Jornal Nacional"

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.


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