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“A Dona do Pedaço” exaltou a temática BBB (bala, boi e Bíblia) na 1ª fase

Mauricio Stycer

27/05/2019 05h15

Amadeu (Marcos Palmeira) leva um tiro dentro da igreja, no momento em que se casaria com Maria da Paz (Juliana Paes)

De acordo com os resumos divulgados pela Globo, termina nesta segunda-feira (27) a primeira fase de "A Dona do Pedaço", iniciada uma semana antes. A novela dará um salto de 20 anos e chegará aos dias atuais. Qual foi a utilidade destes primeiros seis capítulos?

Apresentar alguns dos protagonistas, seria a resposta imediata. Correto. Mas tudo o que foi narrado neste longo início não poderia ter sido substituído por alguns poucos flashbacks? Em outras palavras, a novela não poderia ter já começado nos dias atuais e, em alguns momentos, exibido cenas do passado para explicar algumas situações?

Não enxerguei maior utilidade nesta primeira fase além de uma tentativa de se conectar com um espectador de perfil mais conservador, que talvez tenha se afastado das novelas da Globo.

Uma cena no final do segundo capítulo, repetida quase integralmente no início do terceiro, mostrou a chegada de Maria da Paz (Juliana Paes) a São Paulo recitando longamente um tradicional salmo bíblico ("O Senhor é meu pastor, nada me faltará…").

Orientada pela mãe, a personagem havia fugido do interior do Espírito Santo, onde sua família, os Ramirez, protagonizava uma luta de sangue contra os Matheus.

Num papel surpreendente, Fernanda Montenegro viveu Dulce, a matriarca dos Ramirez, avó de Maria da Paz. Implacável e impiedosa, cometeu um crime (dentro da igreja), que deu origem a uma verdadeira carnificina.

Ao explicar para a neta porque tentou matar o noivo dela na hora do casamento, Dulce disse: "Atirei com muito carinho". Mesmo inconformada e arrasada com o gesto da avó, Maria da Paz se despediu amorosamente dela ao fugir para São Paulo.

No quinto capítulo, a octogenária Dulce foi à casa da família inimiga à noite. Chegando lá não apenas matou três integrantes dos Matheus a tiros, como ainda descobriu que suas bisnetas estão vivas (gancho para a segunda fase) e colocou fogo no lugar. Baleada durante o morticínio, a Vovó Metralha morreu em casa dizendo: "A minha missão aqui na Terra terminou. Morro feliz".

A violência da guerra entre os Ramirez e os Matheus foi justificada por um texto que sublinhou, o tempo todo, um destino trágico e inevitável, alimentado pelos laços de sangue dos integrantes de cada clã. Foram seis capítulos com muita tocaia, tiroteio e mortes.

Num arroubo de bajulação, o ator Álamo Facó, que viveu um dos integrantes do clã dos Matheus, enxergou traços de William Shakespeare no roteiro de Walcyr Carrasco.

Em uma postagem pública no Instagram, Facó escreveu: "Li os 5 capítulos iniciais de 'A Dona do Pedaço' e caí em prantos. 'É Shakespeare', pensei! Andava pelo set me perguntando se todos pensavam o mesmo que eu. Foi quando certo dia, passei pelo set e vi Dona Fernanda lendo o texto em voz baixa. Ela ergueu os olhos, olhou pra mim e comentou: 'como escreve bem, o danado! É Shakespeare!'."

A exaltação de fé e violência armada numa zona rural faz pensar que Carrasco pode ter tentado fisgar uma parcela de público significativa, que tem afinidade com estes temas. No Congresso, os seus simpatizantes integram a chamada bancada BBB (bala, boi e Bíblia).

O que mais "A Dona do Pedaço" mostrou nesta primeira semana? Basicamente, alguns recursos bem batidos. Fomos apresentados a uma família de sem-teto que toca a vida com humor e ternura e a uma família de ricos que esbanja futilidade, ganância e egoísmo.

A protagonista, que trocou o interior pela cidade grande, dá exemplo de como o esforço e a vontade são capazes de superar as maiores dificuldades. Maria da Paz pensa que o amor de sua vida, e pai da filha que espera, morreu. Amadeu (Marcos Palmeira), igualmente, pensa que Paz está morta.

A virada na trama está prevista para ocorrer no meio do capítulo desta segunda-feira. Tudo indica que a partir de agora "A Dona do Pedaço" deve abordar uma temática um pouco mais amena. Assim espero.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.