Topo

Enquanto tiver Galvão, Globo não precisa se preocupar se o jogo está ruim

Mauricio Stycer

28/06/2019 11h03

Não é de hoje que as transmissões esportivas de Galvão Bueno deixaram de ter relação com os fatos que estão acontecendo em campo para se transformarem em óperas dramáticas que ele cria mentalmente e relata de forma improvisada ao microfone.

Galvão Bueno não está, há muito tempo, na categoria de narrador. É um artista, que atribui a si mesmo a missão de emocionar os espectadores. Sob seu comando, mesmo que o jogo de futebol esteja com a aparência tediosa de um passeio de veleiro num mar sem vento, o espectador tem a sensação de estar numa montanha russa.

O Brasil e Paraguai desta quinta-feira (27) foi puro Galvão. Um jogo horroroso, mal disputado, sem imaginação, sem maiores atrações, se tornou um "Orfeu e Eurídice", uma "La Traviata" na voz do vendedor de emoções da Globo.

Como todo artista, Galvão precisa de plateia. Talvez por isso, antes mesmo de a partida começar, tenha lamentado que a Arena do Grêmio não estivesse lotada – só se esqueceu de mencionar o preço abusivamente alto dos ingressos.

O goleiro do Botafogo, o paraguaio Gatito Fernández, foi mais citado em toda a transmissão que qualquer atleta da seleção brasileira. Galvão estava obcecado com o sucesso do arqueiro em defesas de pênaltis e usou este fato para alarmar o espectador por 90 minutos – o Brasil precisava vencer o jogo no tempo regulamentar.

Com 25 minutos de jogo Galvão já estava pedindo/torcendo por um cartão vermelho para o Paraguai. Aos 40 do PRIMEIRO tempo, já soltou um "é teste pra cardíaco". Era um sinal de que o Ibope da partida estava alto.

Indignado, como sempre, com decisões de arbitragem que atrapalham a sua ópera, o narrador pediu, a certa altura: "Não é um lance para pelo menos o VAR dar uma olhadinha?" Exigiu pênalti onde foi falta, cobrou marcações de infrações que não ocorreram, criticou jogadores do Paraguai por lances normais e reclamou injustamente do árbitro.

Um raro momento ensaiado na ópera desta quinta-feira ocorreu no intervalo. Para fugir da rotina, Galvão e o Olodum encenaram uma desavença qualquer, por causa de comentários em redes sociais. O narrador não foi convincente. Era melhor ter improvisado.

Além de Gatito e Everton Cebolinha, outra paixão recente, o narrador ignorou os demais 20 atletas. Galvão não vê mais necessidade em dizer quem faz o quê em campo – e acho que poucos espectadores da Globo sentem falta de uma narração mais técnica, como realizam outros profissionais.

No roteiro do drama do narrador, a disputa de pênaltis foi mais que a cereja no bolo. Foi o momento não apenas de gritar de forma descompensada, mas também de chorar. Afinal, valia uma classificação para as semifinais da Copa América e o fim de um tabu contra o Paraguai.

Foi a vez, então, de Gabriel Jesus e Alisson serem exaltados pelo narrador. Os heróis da decisão. Os artistas que garantiram o resultado. Enquanto tiver Galvão, a Globo não precisa se preocupar com a má qualidade do futebol da seleção.

Ibope: Exibido entre 21h30 e 23h45, Brasil e Paraguai alcançou a melhor audiência da Globo nesta Copa América. Em São Paulo, a partida registrou média de 38 pontos, 13 a mais que a média das últimas quatro quintas-feiras, com 54% de share. Foi o melhor resultado de uma partida desta competição desde Brasil e Equador em 2011 (39 pontos). No Rio, foram 37 pontos, 12 a mais que a média das últimas quatro quintas, e 54% de share. Foi o melhor índice em Copa América desde 2007, quando a final entre Brasil e Argentina registrou 38 pontos.

Veja também
Entrevista histórica com Galvão foge do óbvio e lembra "ligações perigosas"

Siga o blog no Facebook e no Twitter.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.