Ao se dobrar a grupos de pressão, Netflix também faz marketing de séries
Mauricio Stycer
16/07/2019 15h58
Em duas decisões recentes, a Netflix aceitou restringir a liberdade de criação em nome de questões sérias sobre a saúde física e mental do público. As medidas tomadas pelo serviço de streaming mostram o poder de alguns de pressão e, ao mesmo tempo, recolocam em pauta uma velha discussão sobre o impacto da ficção sobre a vida real. As duas séries que motivaram as decisões têm adolescentes como público-alvo.
No início de julho, a Netflix comunicou que vai vetar cenas com personagens fumando em todas as novas produções classificadas como livre para menores de 14 anos. Já nesta terça-feira (16), a empresa anunciou ter cortado uma cena de suicídio da primeira temporada de "13 Reasons Why".
Diferentes estudos mostraram que a busca por informações na internet sobre como se suicidar aumentaram após o lançamento da primeira temporada de "13 Reasons Why" bem como o próprio número de suicídios.
É curioso que os anúncios da Netflix tenham ocorrido perto do lançamento de terceiras temporadas das duas séries. Ou seja, a empresa aproveitou ambas as ocasiões para fazer marketing positivo.
No caso de "13 Reasons Why", o mais grave, a Netflix demorou dois anos para tomar esta decisão. Mesmo diante de informações consistentes já em 2017 sobre o impacto negativo sobre adolescentes, a empresa hesitou em tomar alguma atitude argumentando que a série tinha a função de informar o público a respeito do assunto.
Há quem entenda que as decisões da Netflix configuram censura à criação artística. Sim. Literalmente, é disso que se trata. A empresa se rendeu a grupos de pressão e optou por colocar outras questões à frente da liberdade de expressão. Por outro lado, o serviço de streaming está reconhecendo que o público adolescente merece proteção e cuidado maiores em matérias sérias como tabagismo e suicídio. Acho difícil discordar.
Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
Contato: mauriciostycer@uol.com.br
Sobre o blog
Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.