Novela é emoção e o público adora os absurdos da trama, diz Silvio de Abreu
Mauricio Stycer
09/08/2019 05h03
"O público quer ver Maria da Paz sentar a mão na filha porque está há meses aguardando esta cena", diz Silvio de Abreu
Na condição de principal responsável pela área de teledramaturgia da Globo desde novembro de 2014, Silvio de Abreu transborda entusiasmo com as novelas. Em uma entrevista a um grupo de jornalistas nesta quinta-feira (08), durante a inauguração dos novos estúdios da Globo, o executivo falou do processo de trabalho que implantou, revelou que os chamados "grupos de discussão" não tem mais tanta importância e explicou por que os espectadores gostam tanto de novelas. Veja abaixo os principais trechos da conversa:
A novela está cada vez mais se renovando. Embora as pessoas costumem dizer que a novela só teve uma renovação, com "Beto Rockfeller" (1968-69), o que é uma grande mentira, uma falta de conhecimento, de quanto a novela evolui sempre. Cada vez que entra um autor novo, ele traz uma nova ideia e essa nova é que mantém esse fluxo contínuo de público que assiste. Porque se as novelas fossem sempre iguais elas não teriam conseguido manter esse público até hoje. Essa variedade não só de temas, como de novas cabeças, novos autores, novos diretores, é o que mantém isso tudo.
Novos autores
Fico muito feliz de, desde ter assumido aqui, já ter revelado 17, 18 novos autores. Porque eu achava que uma das coisas que faria a novela ter continuidade seria ter novos autores, novas ideias, porque senão o gênero iria morrer. E o gênero continua, e vai continuar. Porque quando uma emissora como a TV Globo confia tanto nesse gênero que faz um projeto deste tamanho, com este custo, é porque ela acredita que nós vamos ainda continuar durante muito tempo fazendo novela.
Fábrica de pizza
Aqui poderia ser uma fábrica de pizza. Porque é uma novela atrás da outra. Mas cada novela que começa é uma coisa nova para quem está lá dentro. Então, você tem o entusiasmo do autor, do diretor, dos autores, todo mundo querendo fazer, e cada vez parece uma coisa nova. E essa vitalidade é o que passa da tela para o público. E por isso mesmo é que ele assiste, porque é vivo. E feito com muito amor.
Sucesso ou não
Novela se renova sempre. Algumas fazem muito sucesso, como Avenida Brasil. Outras não. Mas nem por isso deixam de trazer alguma novidade. E esse acúmulo de novidade é que faz a novela se renovar sempre. Porque cada vez que ele é feito por uma nova cabeça, ele traz alguma coisa diferente.
Planejamento até 2023
Já tenho uma planificação de novelas até 2023. Já sei quais serão as novelas e os capítulos já estão sendo escritos. "Amor de Mãe" (a próxima das 21h) já tem dez blocos de capítulos escritos, ou seja, 60 capítulos. Vai estrear em novembro. Você tinha a ideia de que deveria fazer a novela de pouquinho em pouquinho pra ver o que o povo gostava e não gostava. Mas isso não é verdade. Porque a gente tem uma expertise aqui, um grupo de leitores, e as pessoas que trabalham no departamento, que conseguem detectar, pelo texto, se a história está indo bem ou mal. E a gente manda refazer. O processo é muito mais racional hoje.
Grupos de discussão
Os grupos de discussão continuam sendo feito e têm eficiência. Mas geralmente ele reitera aquilo que a gente tá pensando. O que a gente quer saber mais do grupo de discussão é se a mensagem que a gente está passando está chegando claramente para eles. Se estão gostando ou não, e porque não estão. Dependendo a gente pode consertar um pouquinho, mas o grupo de discussão não é determinante para mudar o rumo de uma novela. Nunca foi. Se a novela está muito ruim, a gente tem que descobrir por quê. Mas ainda não tive essa experiência na minha gestão.
Séries versus novelas
Público de série é diferente do de novela. Quando uma tenta imitar a outra dá errado. Novela é uma história contínua, uma história de folhetim, que tem muito romance, suspense, os absurdos todos que o público adora e a crítica detesta. Tudo isso faz a novela ser o produto que ela é. E a novela tem essa mecânica, que a cada dia a história vai crescendo, e o autor vai ficando imbuído dessa história… Uma novela pode ter 500 capítulos – só não tem porque o autor vai morrer no meio. A série é um personagem ou um núcleo de personagens em várias situações diferentes e a cada capítulo se fecha em si. Não tem uma continuidade de narrativa. É fechada. Muda a maneira de produzir e de escrever. A série pode aprofundar melhor os temas.
O papel da emoção
Novela é muito mais emoção. Não acho que novela seja acompanhada pela razão. Por que uma pessoa vai todo dia, às 21h, ver televisão? Por que tanta gente senta em frente da televisão na mesma hora pra assistir aquilo? Porque elas estão emocionalmente ligadas àquilo. Não racionalmente. Eu preciso ver aquilo. Eu quero ver a Maria da Paz sentar a mão na filha dela. Porque estou aqui há meses aguardando esta cena. E essa cena mexe comigo. É emoção, não é razão. Toda vez que a novela é muito racional, ela não chega no grande público, não tem uma audiência muito grande. E toda vez que a série é menos racional, ela também não atinge. São dois produtos completamente diferentes.
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Observação: Viajei ao Rio a convite da Globo.
Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
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Sobre o blog
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