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Globo nega o fim da Sessão da Tarde e investe pesado em cinema nacional

Mauricio Stycer

17/10/2019 05h02

Exibida em julho, a comédia brasileira "Os Farofeiros" foi a terceira maior audiência de um filme na Globo este ano

Com números de audiência crescentes em todas as suas sessões de filmes, a Globo colocou no ar esta semana uma chamada enaltecendo a diversidade de títulos e gêneros que exibe. Os resultados em matéria de Ibope são fruto de um investimento que vem ocorrendo nesta área já há alguns anos, aponta Amauri Soares, diretor de programação da Globo, em uma rara entrevista.

Soares enfatiza na conversa a aposta pesada em filmes brasileiros. É uma mudança importante. Até poucos anos atrás, o cinema brasileiro era tratado como um "gênero", que ganhava semanas especiais de exibição. Este ano, a Globo vai exibir perto de 100 títulos nacionais em diferentes faixas.

O executivo descreve como a Globo se aproximou da indústria cinematográfica nacional e explicou o que espera de filmes para as suas variadas sessões (ou "slots", como diz Soares).

Na entrevista, o diretor de programação fala também sobre os rumores do fim da Sessão da Tarde, que ele diz serem infundados, elogia a participação do Choque de Cultura aos domingos, após a Temperatura Máxima, conta por que a Sessão de Gala acabou e virou Cinemaço e explica por que a Globo desenvolveu um algoritmo para ajudar a programar os filmes vespertinos. Veja abaixo os principais trechos:

Crescimento em 2019
É resultado de uma reestruturação grande que a gente fez na carteira de filmes, na curadoria nos últimos anos, na calibragem dos filmes para o momento atual. Todos os slots (as sessões) de filmes estão com aumento de audiência em relação ao ano passado. No caso do Tela Quente, que é o nosso principal slot, de janeiro até 7 de outubro, cada sessão está alcançando em média 2 milhões de pessoas a mais. No mesmo período do ano passado, o Tela Quente tinha uma média de 39 milhões de pessoas. Está em 41 milhões. É um aumento muito significativo.

A crise "ajuda"
Tem uma questão de conjuntura, de caráter econômico. A gente vive um momento de economia menos aquecida, de base de emprego menor, e tem mais gente em casa. A retomada da economia brasileira está muito lenta e ainda não absorveu a legião de trabalhadores (desempregados).

Monopólio de super-heróis
De outro lado, a nossa oferta melhorou muito. Nos últimos três, quatro anos, a gente fez um trabalho muito grande para modernizar o portfólio de filmes da Globo. Vimos aqui muito cedo esta tendência de filmes de super-heróis. Isso nos levou a aperfeiçoar o negócio com a Disney/Marvel, a buscar um acordo com a Warner/DC Comics, que a gente não tinha. Hoje, todos os filmes de heróis estão na Globo. Todos os lançamentos.

Cardápio ampliado
A gente diversificou muito. Deixamos de ter acordos com estúdios que consideramos pouco produtivos e fizemos acordos com um número maior de estúdios. Hoje temos acordo com a Universal e a Sony. São estúdios que têm muitos blockbusters. Com isso, mais as compras que a gente faz no mercado independente (a gente compra muito) nos EUA e na Europa e mais os filmes brasileiros, a gente tem um mix muito competitivo e relevante.

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Cinema brasileiro como uma coisa só
A Globo é a maior exibidora de cinema brasileiro. A gente exibe todos os filmes de coprodução da Globo Filmes e também os que não são da Globo Filmes. Até quatro ou cinco anos atrás, o filme brasileiro era tratado como gênero na programação de filmes da Globo. Tinha um slot de filmes brasileiros. "Cinema Nacional", "Sessão Brasil", "Festival do Cinema Brasileiro".

Nova visão sobre o filme brasileiro
Acompanhando o trabalho da Globo Filmes, a gente entendeu que o cinema brasileiro deveria estar em todas as sessões de cinema. E que a gente deveria ter como objetivo programar filmes brasileiros no Tela Quente. Se a gente continuasse olhando o filme brasileiro como um gênero, ele nunca ia disputar espaço com o cinema internacional na grade da Globo. E poderia ficar sendo tratado como um conteúdo de menor importância, de segunda classe. A gente queria outra coisa, que estivesse em qualquer slot.

Conversa com a Globo Filmes
Levamos isso para a Globo Filmes. Nós gostaríamos que o filme brasileiro disputasse espaço aqui. O que aconteceu? A gente vem aumentando ano a ano o número de filmes brasileiros exibidos. O trabalho que a Globo Filmes faz compartilha esse nosso entendimento com os seus produtores e roteiristas. Ao avaliar um roteiro novo, eles se perguntam: quando ele for para a TV aberta, para qual slot ele seria? É para o Tela Quente?

Esta semana, em homenagem a Fernanda Montenegro, "Central do Brasil" foi exibido no Tela Quente

Impacto sobre a produção de filmes
Houve também um compartilhamento de informações, na Globo Filmes, para quem lida com cinema. O que a Globo espera de um filme para o Tela Quente? O que a gente espera de um filme para o Corujão? O que a gente espera de um filme para a Sessão da Tarde? Ao compartilhar com os realizadores a nossa visão de curadoria, a gente aumentou a produtividade. E todo mundo saiu ganhando. Nós ganhamos uma diversidade maior, tendo mais filmes brasileiros. O filme brasileiro está ocupando espaços nobres na televisão e alcançando um público muito maior que o da bilheteria dos cinemas. Acho importante para o cinema dialogar com esta audiência da televisão. Então, acho que todo mundo ganhou com isso.

Informação sobre o público
Temos um volume cada vez maior de informações sobre o público que está vendo TV, sobre os hábitos de consumo, sobre as interações com outras plataformas. É muito maior do que há três anos. Usamos esse conhecimento maior para aperfeiçoar a nossa curadoria.

Fim da Sessão de Gala
No domingo à noite, a gente tinha tradicionalmente duas sessões de filmes. Domingo Maior e Sessão de Gala. Domingo Maior voltado a um público maior, com uma curadoria mais generalista, de filmes ainda para família, mas muita aventura, muitos filmes de ação. E depois, a Sessão de Gala era um slot que olhava para filmes clássicos. Quando a gente foi estudar a audiência do domingo à noite, a gente viu que à medida em que ficava mais tarde, a audiência ficava menos feminina, mais masculina, e o número de jovens aumentava. E a gente encontrou um espaço para filmes de ação, histórias de aventura. Criamos então todo um novo conceito. Em junho de 2019, virou Cinemaço.

Maurilio (Raul Chequer), Julinho (Leandro Ramos) e Renan (Daniel Furlan), do Choque de Cultura

Choque de Cultura
Quando a área de humor trouxe o Choque de Cultura, achamos que a Temperatura Máxima era o slot mais adequado. Na transição entre o filme e o futebol, há uma convergência grande de público. Isso dá uma modernidade para o filme de domingo à tarde e dá para o Choque de Cultura um público muito mais abrangente do que o do digital. É uma combinação interessante. Pra gente, é uma construção. Avaliação é muito positiva. Os comentários do Choque de Cultura dão uma espécie de recall, de cauda longa, no digital para o filme. Gera um buzz que avança pela semana. Este é um atributo muito importante.

Fim da Sessão da Tarde?
Não tem nada de concreto nisso. É fofoca. A gente não cogitou. Pelo contrário. A gente modernizou bastante a curadoria da Sessão da Tarde. É um slot que apresenta um tremendo desafio. Primeiro que é diário. São cinco filmes por semana. Um público bastante diverso, num país enorme. Continua tendo enorme relevância, um alcance muito grande, uma audiência muito grande, tem relevância comercial.

Memória afetiva
Tem um aspecto de memória afetiva na Sessão da Tarde. Uma segunda geração vendo o filme com a primeira. Mãe vendo o filme junto com o filho, um encontro de gerações. A gente tem muitos depoimentos espontâneos nas redes sociais sobre essa relação afetiva com a Sessão da Tarde. A gente está muito satisfeito com o resultado. A gente faz aquisições específicas para esta sessão. Ela tem classificação indicativa de 12 anos, o que é um desafio a mais. Não é qualquer filme que a gente pode exibir.

Algoritmo
Nós criamos um algoritmo para ajudar os programadores na programação de filmes da Sessão Tarde. Nós tagueamos todos os filmes no acervo, com características de cada um. O algoritmo entrega para o programador uma lista de filmes com os atributos que a gente quer. Tem que ter censura livre, tem que ser adequado para a família, não pode ter determinado tipo de cena, queremos determinado tipo de história, qual tipo de gênero. O algoritmo oferece o dobro de opções que o programador sozinho conseguiria levantar. E é um algoritmo criado na Globo, pela equipe de tecnologia com os programadores.

Globoplay
Estamos tentando fazer aquisições conjuntas. Para que, aos poucos, o Globolay tenha todos os filmes que a gente exibe na Globo. E que eles possam ter os nossos slots. Não seria bom se o Globoplay tivesse todos os Tela Quente do ano disponíveis? Você adquire os direitos de exibição por "janela". A gente agora busca negociar as janelas conjuntamente, para a TV aberta, VOD e pay TV, para fazer uma estratégia de ciclo de vida do filme, e não apenas a exibição em uma janela.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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