Jorge Fernando deixou marca pessoal em comédias dos maiores autores da TV
Mauricio Stycer
28/10/2019 10h45
Num ambiente de produção em ritmo industrial, como o das novelas, o diretor é uma figura essencial, mas invisível. Não tem o poder dos autores, que determinam os rumos das histórias, nem brilha como os atores, que colocam a cara na tela. Jorge Fernando (1955-2019) está entre os que mais conseguiram se destacar nesta função.
Isso ocorreu por alguns motivos. Primeiro, e mais importante, graças a sua inclinação para o humor. Jorge Fernando ajudou a estabelecer o que acabou se tornando um gênero, as comédias escrachadas da faixa das 19h da Globo. Começou (em parceria com Guel Arraes) em "Guerra dos Sexos" (1983), de Silvio de Abreu, e foi até "Verão 90" (2019), de Izabel de Oliveira e Paula Amaral.
Conseguiu o feito de imprimir uma marca pessoal dirigindo os mais variados autores, de Cassiano Gabus Mendes ("Brega e Chique", "Que Rei Sou Eu?") a Carlos Lombardi ("Vereda Tropical"), passando por Silvio de Abreu ("Cambalacho", "Deus Nos Acuda"), Antônio Calmon ("Vamp"), Lauro Cesar Muniz ("Zazá"), Walter Negrão ("Vila Madalena") e Maria Adelaide Amaral ("Ti-Ti-Ti"). O espectador sabe quem foi o diretor de quase todas estas novelas. Não é pouca coisa.
Jorge Fernando se distinguiu também porque fez questão, frequentemente, de aparecer como ator, em papéis não muito importantes, nas suas próprias produções. Era como se assinasse, com o seu sorriso amplo e a sua presença exagerada em cena, as suas direções.
Este trabalho como ator precede o de diretor na TV, como ficou registrado no inesquecível seriado "Ciranda, Cirandinha" (1978), bem como em "Pai Herói" (1979) e "Água Viva" (1980). Jorginho, como era chamado por todo mundo, nunca deixou de atuar, o que contribuiu muito, tenho a impressão, para reforçar a carinhosa impressão pública sobre ele.
Já consagrado, trouxe também sua mãe, Hilda Rebello, para atuar em algumas novelas que dirigiu. Outro aspecto marcante. O filho permitiu à mãe o início tardio de uma carreira artística, reprimida na juventude por circunstâncias da vida.
Menos mencionado, mas igualmente fundamental, é a associação de Jorge Fernando com a turma que criou no final dos anos 1970 o que ficou conhecido, de forma pejorativa, como "teatro besteirol" no Rio. Dirigiu espetáculos de Mauro Rasi (1949-2003) e Vicente Pereira (1949-1993), como "As Mil e Uma Encarnações de Pompeu Loredo" (1980) e "Solidão, a Comédia" (1990), com atores como Pedro Cardoso, Felipe Pinheiro, Guilherme Karam e Miguel Falabella, entre muitos outros.
Mas é na televisão mesmo que Jorge Fernando desenvolveu a maior parte de sua carreira. Além das comédias das 19h, também dirigiu, com sucesso, para outros horários e outros autores. Teve uma frutífera parceria com Walcyr Carrasco ("Chocolate com Pimenta", "Alma Gêmea", "Caras & Bocas", "Êta Mundo Bom") e, em especial, com Silvio de Abreu ("Rainha da Sucata", "A Próxima Vítima", "As Filhas da Mãe" e o remake de "Guerra dos Sexos" em 2012).
O Memória Globo destacou uma observação significativa de Jorge Fernando sobre o próprio trabalho: "Eu gosto de fazer o melhor para o público. Acho que através de uma alegria, de uma energia, meus trabalhos sempre têm um ritmo, uma forma. Acho que eu consegui ter uma grife". A morte aos 64 anos interrompe precocemente uma carreira de muita qualidade e sucesso.
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Sobre o autor
Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).
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