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Exaltado, Bolsonaro perde a linha em ataque com ofensas e ameaças à Globo

Mauricio Stycer

30/10/2019 02h21

"Patifaria", "não tem vergonha na cara", "porra", "patifes", "canalhas", "imprensa porca", "jornalismo podre", "nojenta", "imoral". Não lembro de um outro presidente nos últimos 50 anos que tenha se dirigido publicamente a um veículo de comunicação com as palavras que Jair Bolsonaro dedicou à Globo na noite desta terça-feira (29).

Em uma "live" no Facebook, o presidente atacou a emissora em resposta à exibição no "Jornal Nacional" de uma reportagem sobre as investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), ocorrido em março de 2018. Segundo o telejornal, o porteiro do condomínio onde morava Bolsonaro à época disse em depoimento que alguém com a voz "do seu Jair" autorizou a entrada de um dos suspeitos da morte da vereadora no dia do crime.

A reportagem deixou bem claro que Bolsonaro, então deputado federal, estava em Brasília e participou de sessões no Congresso na data em que os fatos ocorreram. Em viagem à Arábia Saudita, o presidente não foi ouvido, porém, pelo "Jornal Nacional". Quem falou em sua defesa foi o advogado Frederick Wassef.

"A Delis Ortiz está aqui na Arábia Saudita. Por que não abriram um link ao vivo e me convidaram? Por que não falou comigo? Ligaram em cima da hora pro advogado", reclamou o presidente. Procurada, a Globo não quis comentar esta reclamação, especificamente (veja abaixo a nota oficial da emissora sobre o caso). A diferença de horário entre os dois países é de seis horas e quando a reportagem foi finalizada já era madrugada em Riad.

A "live" do presidente foi ao ar por volta das 4h da manhã na Arábia Saudita. Na sequência, Bolsonaro apareceu ao vivo no "Jornal da Record", onde repetiu as ofensas à Globo.

O presidente voltou a falar, de forma vaga, mas em tom de ameaça, sobre a renovação da concessão da Globo, que deve ocorrer em 2022. "Temos uma conversa em 2022. Eu tenho que estar morto até lá. Porque o processo de renovação da concessão não vai ser perseguição. Nem pra vocês nem pra TV nem rádio nenhuma. Mas o processo tem que estar enxuto, tem que estar legal. Não vai ter jeitinho pra vocês, nem pra ninguém".

Em mais de uma ocasião durante os 23 minutos de transmissão, Bolsonaro reconheceu estar "exaltado" e fora do tom. "Não deveria perder a linha. Sou o presidente da República. Mas confesso que estou no meu limite com vocês", disse, dirigindo-se à emissora.

Em sua nota, a Globo rejeitou as ofensas. "A Globo não fez patifaria nem canalhice. Fez, como sempre, jornalismo com seriedade e responsabilidade". E afirmou não estar preocupada com a renovação de sua concessão. "Sobre a afirmação de que, em 2022, não perseguirá a Globo, mas só renovará a sua concessão se o processo estiver, nas palavras dele, enxuto, a Globo afirma que não poderia esperar dele outra atitude".

(atualizado às 9h30) Nesta quarta-feira, em Riad, Bolsonaro voltou a atacar a Globo. A repórter Delis Ortiz observou que a reportagem exibida pelo Jornal Nacional destacou a contradição entre o depoimento do porteiro e o fato de o então deputado estar em Brasília. "Isso não é um texto equilibrado, na medida em que mostra a incoerência do depoimento?", perguntou ela.

Bolsonaro respondeu: "Primeiro, a Globo teve acesso ao processo que tá em segredo de justiça. Ponto final. A Globo diz que teve acesso à papeleta que mostra quem entrou no condomínio. Mentira da Globo. Tiveram acesso ao processo. Isso está dentro do processo. Resolveram se resguardar dizendo que tiveram acesso à planilha apenas. Não é de hoje que o sistema Globo me persegue e minha família, aqueles que tão do meu lado. É isso que vem acontecendo. A Globo quer destruir o Jair Bolsonaro, que acabou com a mamata da TV Globo de faturar bilhões por ano com propaganda oficial do governo."

Em uma segunda nota, a emissora afirmou que não mentiu: "A Globo reitera que teve acesso ao livro da portaria e, como deixa claro a reportagem, informou-se com múltiplas fontes sobre o conteúdo do depoimento do porteiro. Não mentiu. Dada a relevância dos fatos, a Globo cumpriu a sua obrigação de informar o público, revelando o que disse o porteiro e todas as suas contradições, que ela própria apurou. A Globo não tem nenhum objetivo de destruir quem quer que seja, mas é independente para informar com serenidade todos os fatos, mesmo aqueles que possam irritar as autoridades. E assim pode agir, justamente porque não depende nem nunca dependeu de verbas de governos, embora a propaganda oficial seja legítima e legal."

O presidente Jair Bolsonaro durante a "live" no Facebook

Veja alguns trechos da fala de Bolsonaro sobre a Globo:

"Por que, TV Globo, revista Época, essa patifaria por parte de vocês? Essa coisa que não dá pra definir. Deixe eu governar o Brasil! Vocês perderam. Vocês vão renovar a concessão em 2022. Não vou persegui-los. Mas o processo vai estar limpo. Se não estiver limpo, legal, não tem renovação da concessão de vocês, e de TV nenhuma. Vocês apostaram em me derrubar no primeiro ano. Não conseguiram. Estou fazendo uma viagem, sacrifício, dez dias longe da família. Ralando o dia todo. Estamos recuperando a confiança no mundo. E vocês, TV Globo, o tempo todo infernizam a minha vida, porra! Onde vocês querem chegar eu sei. Vocês não têm vergonha na cara. Essa patifaria 24 horas por dia contra a minha pessoa. Agora Marielle Franco, querem empurrar pra cima de mim."

"Agora, querer me vincular à morte da Mariella… Seus patifes da TV Globo! Seus patifes! Canalhas! Não vai colar! Não devo nada a ninguém! Não tinha motivo pra matar quem quer que seja no Rio de Janeiro."

"TV Globo, vocês não têm juizo? Parem de trair o Brasil! Vocês não estão traindo a mim, não. Estão traindo o Brasil. Vocês querem arrebentar com o Brasil. Estava muito bom com governos anteriores. Mamavam bilhões de estatais. Bilhões mamavam de estatais. (…) Acabou essa mamata. Não tem dinheiro público pra vocês. Acabou a teta! Vão ficar me infernizando até quando? Eu aguento a porrada, mas fico revoltado quando pegam filhos meus, parentes meus do Vale da Ribeira, quem tá do meu lado… Isso é uma patifaria, TV Globo! TV Globo, isso é uma patifaria! Não deveria perder a linha. Sou o presidente da República. Mas confesso que estou no meu limite com vocês."

"O que vocês querem? Destruir o Brasil? Nós vamos resistir. A verdade está do meu lado."

"Pelo amor de Deus, quem vocês pensam que são? Eu sei quem vocês são. Vocês são canalhas! Patifes! Não são patriotas! Não pensam no Brasil."

"Vocês apoiavam o governo de plantão, em especial do governo do PT porque anunciava bilhões de reais no sistema Globo de televisão."

Bolsonaro fala sobre a reportagem do Jornal Nacional que o citou

"Esse jornalismo que vocês fazem é um jornalismo podre. Podre, TV Globo. Podre! Canalha! Sem escrúpulos! Vocês não prestam. TV Globo, vocês não prestam! Vocês esculhambam a família 24 horas por dia. Só promove o que tá dando errado. Não tem respeito com ninguém. Defendem bandidos e criticam policiais. É uma canalhice que vocês fazem. Uma canalhice, TV Globo. Uma canalhice fazer uma matéria dessas, no horário nobre, colocando sob suspeição que eu poderia ter participado do assassinato da Marielle Franco, do PSOL."

"Não vou conversar com vocês da TV Globo. Temos uma conversa em 2022. Eu tenho que estar morto até lá. Porque o processo de renovação da concessão não vai ser perseguição. Nem pra vocês nem pra TV nem rádio nenhuma. Mas o processo tem que estar enxuto, tem que estar legal. Não vai ter jeitinho pra vocês, nem pra ninguém. Essa é a preocupação de vocês? Continuem fazendo essa patifaria contra o presidente Jair Bolsonaro e sua família. Continua, TV Globo."

"A Delis Ortiz está aqui na Arábia Saudita. Por que não abriram um link ao vivo e me convidaram? Por que não falou comigo? Ligaram em cima da hora pro advogado."

"Em 20 minutos entra o Jornal da Record e a gente volta a conversar. Peço que vocês assistam. Me desculpem a maneira como, exaltado, chego no limite, sou ser humano, tenho filhos, filhos meus sofrendo por causa da TV Globo…"

"Qual é a intenção de vocês? Conseguir, através de farsas, uma possível condenação de um filho meu? Esse é o orgasmo da TV Globo? Ver um filho meu preso? Ver um irmão meu preso? Ver um amigo meu chegado preso? Esse é orgasmo de vocês, TV Globo?"

"Eu tenho um compromisso: tirar o Brasil do buraco. Apesar da imprensa porca, nojenta, canalha, imoral, como é o Sistema Globo de Rádio e Televisão."

"Desculpem a forma como me dirigi aqui. Estou, confesso, muito exaltado."

Bolsonaro critica a Globo durante a transmissão ao vivo no Facebook

Veja a íntegra da nota da Globo

"A Globo não fez patifaria nem canalhice. Fez, como sempre, jornalismo com seriedade e responsabilidade. Revelou a existência do depoimento do porteiro e das afirmações que ele fez. Mas ressaltou, com ênfase e por apuração própria, que as informações do porteiro se chocavam com um fato: a presença do então deputado Jair Bolsonaro em Brasília, naquele dia, com dois registros na lista de presença em votações.

O depoimento do porteiro, com ou sem contradição, é importante, porque diz respeito a um fato que ocorreu com um dos principais acusados, no dia do crime. Além disso, a mera citação do nome do presidente leva o Supremo Tribunal Federal a analisar a situação.

A Globo lamenta que o presidente revele não conhecer a missão do jornalismo de qualidade e use termos injustos para insultar aqueles que não fazem outra coisa senão informar com precisão o público brasileiro. Sobre a afirmação de que, em 2022, não perseguirá a Globo, mas só renovará a sua concessão se o processo estiver, nas palavras dele, enxuto, a Globo afirma que não poderia esperar dele outra atitude. Há 54 anos, a emissora jamais deixou de cumprir as suas obrigações."

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.