Personagens masculinos de “A Vida da Gente” são fracos ou dominados pelas mulheres
Nilson Xavier
29/01/2012 08h00
Desde o início de A Vida da Gente nota-se algo muito inusitado no reino da Teledramaturgia. Na novela das seis, os dramas das protagonistas são de universo feminino, tratados sob a ótica feminina. É claro que ficar em coma, acordar e perceber que o seu amor lhe trocou, poderia ter acontecido a um homem. Mas acredito que as consequências e a forma de lidar com a situação poderiam ser outras se tivesse sido um homem no lugar de Ana (Fernanda Vasconcellos).
No capítulo de sexta-feira (dia 27 de janeiro), Rodrigo (Rafael Cardoso) foi convocado por Manu (Marjorie Estiano) e a filha Júlia (Jesuela Moro) a tirar uma aranha da casa. Tive a impressão de que essa foi a função principal de Rodrigo na novela inteira – e, nas entrelinhas, isso se estende aos demais personagens homens. Rodrigo foi chamado para tirar uma aranha, mas poderia ter sido para matar uma barata, trocar uma lâmpada ou abrir um vidro de pepinos.
Explico: além de a temática ser tratada sob a ótica feminina, percebe-se que os personagens masculinos de A Vida da Gente são todos meros coadjuvantes de mulheres e, na maioria das vezes, inferiores a elas ou dependentes delas, ou fracos, ou bobões. A mulher é quem manda em A Vida da Gente – a novela das "fêmeas-alfa". Isso fica claro se analisarmos o perfil de cada personagem homem da trama.
Rodrigo: cresceu dominado pelo pai. Amou Ana, mas, na ausência dela, passou a amar Manu. Depois Ana acordou e renasceu sua paixão por ela. Indeciso, sempre com fala mansa, titubeante. Não consegue tomar as rédeas de seus próprios sentimentos. Não sabe se quer Ana ou Manu, ou as duas, ou nenhuma.
Jonas (Paulo Betti), o pai de Rodrigo: homem machista, preconceituoso, egoísta, prepotente, vaidoso, orgulhoso, vive para o trabalho, nunca deu a mínima para a família. Parece que reúne todos os defeitos que um macho pode ter. E ainda é visto como um bobão, quase um vilão cômico.
Lourenço (Leonardo Medeiros): homem sonhador e acomodado cujo maior objetivo na vida era ver seu livro publicado. E isso custou sua relação com Celina (Leona Cavalli), que desejava engravidar, mas ele não queria filhos. Aliás, o personagem representa o terror de toda mulher: o homem que nega à parceira o direito de ser mãe. Aceitou dinheiro do irmão (Jonas) para uma inseminação, da qual nasceu o garoto Thiago (Kaik Crescente) – que ele nem tomou conhecimento quando nasceu. É o melhor amigo de Rodrigo – que, com um confidente como esse, está muito mal servido!
Laudelino (Stênio Garcia): avarento, ranzinza, é dominado pela "namorada" Iná (Nicette Bruno), que o chama de "meu filho" e que dita as regras da relação. E, coitado, ainda sofre de impotência. É o personagem mais impotente da novela, em todos os sentidos.
Lúcio (Thiago Lacerda): apareceu na novela apenas para ser o par de Ana. É o tipo gentil, romântico, afável e atencioso: um sonho para toda mulher, o homem idealizado. No momento, está tendo aulas de tênis com Ana, o que, mais uma vez, denota a posição subserviente do homem em relação à mulher na novela.
Marcos (Ângelo Antônio): quando casado com Vitória (Gisele Fróes), não passava de um acomodado, com a vida absolutamente dominada pela mulher megera. Depois que se separou e uniu-se a Dora (Malu Galli), não consegue acertar uma, porque é sonhador e megalômano. Um inútil.
Renato (Luiz Carlos Vasconcelos): o pai biológico descoberto por Alice (Stephany Brito) é um pobre coitado e alcoólatra.
Cícero (Marcelo Airoldi): é apenas o pai de criação de Alice que sentiu ciúmes do pai biológico – a partir de uma situação forçada pela filha.
Matias (Marcelo Mello Jr.): o motorista de Cris (Regiane Alves) é um funcionário servil, que tenta escapar das investidas da patroa e, por conta disso, é vigiado de perto pela namorada Lorena (Júlia Almeida). Vítima de duas mulheres, portanto.
Lui (Marat Descartes): era apenas o marido de Nanda (Maria Eduarda). Serviu de escada para a relação conturbada entre a mulher e o filho adolescente dele, Francisco (Victor Navega Motta). Apareceu pouco, teve algumas falas e morreu.
Seu Wilson (Luiz Serra): quem diria que um mero coadjuvante do coadjuvante seria o macho alfa da novela! O velhinho foi safado, porque namorou duas mulheres ao mesmo tempo. Mas mentira tem perna curta – e na visão feminina, curtíssima: já foi descoberto e ficou com apenas uma (Moema, Cláudia Mello). Mas as melhores falas ditas por homem na novela são dele – agora principalmente, já que é confidente de Laudelino.
Cléber (Tadeu Di Pietro): o secretário de Jonas, pau mandado e puxa-saco. Aguenta calado as humilhações do patrão. Não precisa dizer mais nada.
Mariano (Francisco Cuoco), Miguel (Rafael Almeida) e Josias (Duda Mamberti): quem?
Por ser uma trama realista, fica incoerente este universo em que mulheres tão fortes e determinadas estejam rodeadas apenas por homens pouco representativos diante delas. É como se eles não servissem para mais nada a não ser procriar ou atuarem como coadjuvantes para os dramas vividos por elas. O único personagem com drama especificamente masculino é Laudelino, que sofre de impotência sexual – o que até soa irônico, quase uma provocação!
Costumo dizer que Lícia Manzo escreve uma novela de mulher para mulher. A Vida da Gente é a "novela Marisa"!
Sobre o autor
Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.
Sobre o blog
Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.