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“Gabriela”: cena do telhado ficou sem o mesmo impacto da primeira versão

Nilson Xavier

27/07/2012 02h10

Só mesmo a paixão do brasileiro pelas novelas para explicar que cenas de nossa Teledramaturgia tenham ficado para sempre na memória afetiva do povo, verdadeiros patrimônios do inconsciente coletivo do país. João Coragem encontrando seu diamante. Carlão baleado nas obras do metrô. Julia Mattos dançando triunfalmente na discoteca. Charlô e Otávio jogando o café da manhã um no outro. Porcina indecisa entre ficar com Sinhozinho Malta ou partir com Roque. Odete Roitman sendo assassinada. Laurinha Figueroa se jogando do prédio da Sucata.

Por isso, quando acontece uma releitura, gera-se expectativa em torno da regravação de tal momento marcante. Pense numa cena de Gabriela – a novela que consagrou Sônia Braga em 1975. Gabriela, moleca e inocente, sobe no telhado, pega a pipa que lá caiu e a levanta sorridente para a multidão lá embaixo, que está eufórica com a visão da bela mulher que expõe suas partes pudendas sem se dar conta. A cena é bonita, no melhor dos sentidos. Causa um misto de diversão – porque chega a ser engraçada – com emoção, por conta da pureza da protagonista. Marcou a TV e de lá para cá foi repetida inúmeras vezes pelos vídeo-shows da vida.

Veja abaixo a sequência (vídeo do Youtube).

Como não poderia ser diferente, com o atual remake da novela criou-se expectativa para a tal cena do telhado. A sequência ficou igualmente divertida. Mas, como a Gabriela Juliana Paes se sairia nesse momento frente a uma Gabriela Sônia Braga icônica? A disputa, por si só, já é infiel quando a Gabriela de axila depilada a laser concorre com uma Gabriela naturalmente brejeira e potencialmente mais jorgeamadiana.

Os recursos tecnológicos estão aí para facilitar a vida de técnicos, diretores e atores. Mas chroma-key bom (o recurso que sobrepõe imagens) é aquele que não deixa transparecer que foi usado. E o chroma-key pingou numa das tomadas que mostra Juliana Paes no telhado com a multidão lá embaixo (imagem acima). Também vários closes na calçola larga de Gabriela explicitaram algo que funcionaria melhor se fosse sugerido – o que, aliás, funcionou muito bem na primeira versão (assista ao vídeo acima). A atual banalização das bundas faz com que uma cena como a de Sônia Braga pareça casta aos olhos de hoje em dia.

Por fim – e principalmente -, a produção da novela optou pelo anticlímax: dividiu a sequência toda em duas partes, apresentadas em dois dias, o que diminui consideravelmente qualquer impacto. E com o agravante de que a primeira parte foi exibida depois da meia-noite do capítulo de quarta-feira (15/07), que já começou tarde (após o futebol) – e que acabou por registrar uma das menores médias de audiência que a novela já teve num capítulo: 17,5 pontos na Grande São Paulo.

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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