“Gabriela” mistura bem cenas impactantes com sequências de diálogos divertidos
Walcyr Carrasco é um novelista que transita livremente pelo humor fácil, do tipo que mistura ingenuidade e malícia, experimentado e maturado em suas várias novelas nos horários das seis e sete da Globo (O Cravo e a Rosa, Chocolate com Pimenta, Alma Gêmea, Sete Pecados, Caras e Bocas, Morde e Assopra). Por sua tarimba com literatura infantil (ele é autor de vários livros para crianças), o autor carrega para seus trabalhos na televisão elementos de humor pastelão que mais facilmente arrancam riso de crianças do que de adultos (como torta na cara e pessoas arremessadas na lama ou chiqueiro). Outra característica marcante: falas de personagens adultos que carregam aquela sinceridade inerente às crianças – vícios de quem escreve para público infantil.
Em uma obra como a adaptação de Gabriela, de Jorge Amado, isso poderia não funcionar. E não funciona quando sentimos o choque entre dois estilos tão distintos. Jorge Amado, apesar da densidade em seus temas, tem momentos de leveza, mas que não combinam com o pastelão infantil de Carrasco. Exemplo: a insistência da fogosa Olga (Fabiana Karla) com o marido escorregadio Tonico Bastos (Marcelo Serrado) – sequências que já cansaram e não tem a menor graça.
Independente da diferença de estilos, temos que ter em mente que o produto televisivo leva a assinatura de Walcyr Carrasco. O exagero no pastelão apenas não soa bem para o horário no qual a novela é veiculada. Às onze da noite, o telespectador espera mais de uma novela. Apesar de algum pastelão, Gabriela nos tem brindado com sequências fortes e impactantes – como a do capítulo de quinta-feira (30/08), em que os jagunços do Coronel Ramiro Bastos (Antônio Fagundes) surraram Príncipe e Anabela (Emílio Orciollo e Bruna Linzmeyer) e ainda caparam o rapaz.
E é também do capítulo de quinta-feira uma das sequências mais pitorescas que já se viu na novela e que exemplifica bem essa mistura do estilo de escrita de Carrasco (sinceridade ingênua infantil) aplicado a personagens densos. No diálogo a seguir, a beata Doroteia (Laura Cardoso) – com o filho, Coronel Amâncio (Genézio de Barros) – censura o Coronel Jesuíno Mendonça (José Wilker) por ele se casar com uma moça muito jovem. O coronel já matou a mulher que o traía, é um homem bruto, truculento e violento. Doroteia é o cão em pessoa, velha amarga e maldosa.
Doroteia: "Coronel Jesuíno, Iracema é uma franguinha! O senhor tem idade para ser pai dela!"
Amâncio: "Até avô, quem sabe!"
Jesuíno: "Melhor casar com uma franguinha do que com uma galinha velha!"
Doroteia: "Coronel, uma mulher de mais idade tem mais respeito."
Jesuíno: "Tem mais é pelanca, isso sim!"
Amâncio (rindo): "Coronel Jesuíno, se deseja carne fresca, vá ao Bataclan. Lá tem moça nova à disposição."
Doroteia: "Respeito Amâncio! Não aconselhe o coronel a correr atrás de quenga."
Amâncio: "Mainha, me perdoa, eu só estou tentando ajudar… Coronel Jesuíno, minha mãe está com a razão. Case com uma moça, com uma mulher que saiba cuidar de sua casa."
Doroteia: "Se casar com uma franguinha, vai levar cornos de novo."
Jesuíno: "Não me fale de cornos! Dona Doroteia, só não lhe dou na cara por respeito à sua idade."
Doroteia: "Depois não diga que não foi avisado. E já será uma sorte grande se a moça for virgem."
Jesuíno: "Se ela não for virgem, eu mato na noite de núpcias. Eu já matei uma, mato duas!… E agora, Dona Doroteia, Coronel Amâncio, me dão licença, eu vou cagar."
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