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Faltou coesão a “Lado a Lado”

Nilson Xavier

08/03/2013 20h48

Cena do último capítulo de "Lado a Lado" (Foto: TV Globo)

"Lado a Lado", a novela das seis da Globo – escrita por João Ximenes Braga e Cláudia Lage – que terminou nesta sexta-feira (08/03), foi muito mais do que um folhetim de época. Retratar eventos históricos do Rio de Janeiro da década de 1910 (poucas vezes vistos anteriormente em TV) foi o seu grande trunfo. E dos mais louváveis.

É bom quando um programa de televisão, cujo principal objetivo é o entretenimento, se propõe também a ensinar e informar. Neste quesito, "Lado a Lado" saiu-se muito bem. Direção competente, produção bela e requintada, em uma reconstituição de época das mais perfeitas.

Ótima sacada fazer do personagem Zé Maria, de Lázaro Ramos, uma espécie de Forrest Gump (Tom Hanks no filme homônimo) que acompanha ou protagoniza os fatos históricos narrados na novela – entre outros, as revoltas da Vacina e da Chibata, o advento do futebol e do samba, o fim dos cortiços e o processo de favelização do Rio (o Bota Abaixo).

Por outro lado, a novela desviou-se do foco histórico ao desenhar um estilo que dialogou muito com o nosso tempo. Para o seu bem – como a excelente trilha sonora contemporânea – e para o seu mal – como gírias e expressões atuais e personagens muito fincados em 2013 (como a espevitada Neusinha, interpretada por uma Maria Clara Gueiros que abusou dos "adoooro!" e só faltou soltar um "vem cá, eu te conheço?").

Apesar de seus perfis de "mulheres à frente de seu tempo", as heroínas Isabel e Laura (Camila Pitanga e Marjorie Estiano) soaram modernas demais para o período da novela: pareciam mulheres de 2013 que foram catapultadas para o passado. Por um lado é bom porque intensifica o perfil das personagens. Por outro, fez – por exemplo – soar estranhos os embates entre a vilã Constância e sua filha moderninha Laura. O tom empostado dos argumentos retrógrados e preconceituosos da ex-baronesa (totalmente condizente com a personagem e sua época) fez Laura parecer um ET quando proferia o seu discurso libertário. Faltou sutileza.

Diga-se de passagem, Patrícia Pillar e Marjorie Estiano brilharam a novela inteira com suas interpretações. Suas personagens representaram bem os extremos dessa ponte entre o passado mostrado na novela e a contemporaneidade. No elenco de "Lado a Lado" destacaram-se também Caio Blat, Milton Gonçalves, Christiana Guinle, Isabela Garcia, Débora Duarte e o novato em televisão Álamo Facó (o Quequé).

Marjorie Estiano e Thiago Fragoso em "Lado a Lado" (Foto: TV Globo)

Dentro de sua proposta histórica, o didatismo de "Lado a Lado" incomodou apenas nos momentos em que o folhetim falhou. As idas e vindas das amigas Laura e Isabel se arrastaram pelos seis meses da novela. O horário e a época pediam uma trama mais ágil. Prejudicada pelas eleições no ano passado e pelo Horário de Verão, a audiência em São Paulo não correspondeu ao capricho da produção: uma média de 18 pontos, muito abaixo do esperado.

Também as personagens protagonistas enervaram em algum momento. Baluartes na luta pelos direitos das mulheres, a negra Isabel e a descasada Laura (muito bem defendidas por suas intérpretes) em algum momento deixaram para trás seus discursos para mostrar um lado bem egoísta, quando defendiam seus interesses particulares. O vai-e-vem de Laura e Edgar (Thiago Fragoso) cansou, pela intransigência dela. E a insistência de Isabel em afastar o filho da avó Constância quase fez com que se torcesse pela vilã.

Em sua fase final, "Lado a Lado" andou em círculos e só despertou na última semana. O último capítulo apresentou uma situação um tanto quanto clichê demais para uma novela que tinha a pretensão de se apoiar em fatos históricos e assim criar links com a realidade: todos os vilões se deram mal.

É necessário um mínimo de coesão e sutileza ao misturar folhetim com História, passado com presente e diálogos entre personagens rebuscados de 1910 com personagens coloquiais atuais. Ainda que uma obra bem acabada – acima da média até – pareceu que "Lado a Lado" não escapou do chavão da metralhadora desgovernada, a que atira para todos os lados sem se preocupar com o foco.

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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