“Saramandaia”: um ensaio sobre a tolerância
Se a política em "Saramandaia" era um prato cheio para Dias Gomes criticar – ainda que veladamente – o Regime Militar vigente em 1976, atualmente ela perde força na nova versão da história, comandada por Ricardo Linhares. Em contrapartida, outros focos ganham novas cores e apontam para uma excelente modernização da velha história.
Nos últimos capítulos da novela das onze da Globo, vimos o Professor Aristóbulo (Gabriel Braga Nunes) sair do armário e assumir para a população da pacata e provinciana Bole-Bole que sim, ele é um lobisomem. O que corria à boca pequena sobre o ilustre professor, hoje já não é segredo para nenhum bolebolense.
Diálogo do capítulo de terça-feira (13/08) de "Saramandaia", entre Aristóbulo (Gabriel Braga Nunes) e sua mãe Dona Pupú (Aracy Balabanian):
– Você sempre foi muito amado!
– Amado, mamãe? Por que todo mundo foge de mim?
– Sua família te ama, meu filho!
– Mas e a minha maldição? Será que alguém, algum dia, será capaz de amar o monstro que existe dentro de mim?
– Nós te amamos como você é! A sua natureza é assim. O homem tem valor pelo seu caráter, pela honestidade. Você é um homem de valor! Você tem que se aceitar como você é! Você tem que se amar como você é!
– Eu só queria que a minha vida fosse mais fácil, mamãe. Eu só queria sofrer um pouco menos.
Bole-Bole representa um microcosmo de nossa sociedade, em que o diferente é visto com reserva pela coletividade, enquanto as esquisitices individuais permanecem salvaguardadas nos lares ou dentro de cada indivíduo. O dilema de não ser aceito também permeia o personagem João Gibão (Sérgio Guizé), o pavão mysteriozo da história que tem vergonha de assumir que possui asas.
Em tempos de manifestações populares (já retratadas no contexto da novela) e um novo olhar sobre a tolerância, o roteiro de Ricardo Linhares não precisa nem ser subliminar. A metáfora do homem que escondia de todos ser um lobisomem (ou o que possui asas) com medo de não ser aceito pela normatividade, pode se aplicar a muitos casos, desde a intolerância ao homossexual até à intolerância religiosa.
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