Topo

“Saramandaia”: um ensaio sobre a tolerância

Nilson Xavier

14/08/2013 12h22

O lobisomem de "Saramandaia" (Foto: Divulgação/TV Globo)

Se a política em "Saramandaia" era um prato cheio para Dias Gomes criticar – ainda que veladamente – o Regime Militar vigente em 1976, atualmente ela perde força na nova versão da história, comandada por Ricardo Linhares. Em contrapartida, outros focos ganham novas cores e apontam para uma excelente modernização da velha história.

Nos últimos capítulos da novela das onze da Globo, vimos o Professor Aristóbulo (Gabriel Braga Nunes) sair do armário e assumir para a população da pacata e provinciana Bole-Bole que sim, ele é um lobisomem. O que corria à boca pequena sobre o ilustre professor, hoje já não é segredo para nenhum bolebolense.

Diálogo do capítulo de terça-feira (13/08) de "Saramandaia", entre Aristóbulo (Gabriel Braga Nunes) e sua mãe Dona Pupú (Aracy Balabanian):

– Você sempre foi muito amado!
– Amado, mamãe? Por que todo mundo foge de mim?
– Sua família te ama, meu filho!
– Mas e a minha maldição? Será que alguém, algum dia, será capaz de amar o monstro que existe dentro de mim?
– Nós te amamos como você é! A sua natureza é assim. O homem tem valor pelo seu caráter, pela honestidade. Você é um homem de valor! Você tem que se aceitar como você é! Você tem que se amar como você é!
– Eu só queria que a minha vida fosse mais fácil, mamãe. Eu só queria sofrer um pouco menos.

Bole-Bole representa um microcosmo de nossa sociedade, em que o diferente é visto com reserva pela coletividade, enquanto as esquisitices individuais permanecem salvaguardadas nos lares ou dentro de cada indivíduo. O dilema de não ser aceito também permeia o personagem João Gibão (Sérgio Guizé), o pavão mysteriozo da história que tem vergonha de assumir que possui asas.

Em tempos de manifestações populares (já retratadas no contexto da novela) e um novo olhar sobre a tolerância, o roteiro de Ricardo Linhares não precisa nem ser subliminar. A metáfora do homem que escondia de todos ser um lobisomem (ou o que possui asas) com medo de não ser aceito pela normatividade, pode se aplicar a muitos casos, desde a intolerância ao homossexual até à intolerância religiosa.

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

Blog do Nilson Xavier