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“Joia Rara” é um festival de clichês folhetinescos

Nilson Xavier

02/10/2013 17h33

Casamento de Iolanda (Carolina Dieckmann) e Ernest (José de Abreu) em "Joia Rara" (Foto: Divulgação/TV Globo)

Em um primeiro momento, a novela das seis da Globo, "Joia Rara", impressiona pela qualidade técnica e estética. Uma das produções mais "bem acabadas" da emissora nos últimos anos. Autoria (Duca Rachid e Thelma Guedes), direção geral (Amora Mautner em núcleo de Ricardo Waddington) e parte do elenco (Bruno Gagliasso, Bianca Bin, Domingos Montagner, Carmo Dalla Vecchia, Nathalia Dill, Marcos Caruso, Cláudia Ohana e outros) são os mesmos de outra produção muito elogiada pelos mesmos motivos: "Cordel Encantado" (2011).

Todavia, tirando a embalagem belíssima, percebemos que a história da novela costura tramas manjadíssimas de nossa Teledramaturgia. "Joia Rara" é um festival de clichês folhetinescos. Mas irresistíveis. Primeiro, porque, visualmente falando, enche os olhos. Segundo, porque as autoras – sabiamente – usam um período histórico poucas vezes retratado em televisão como pano de fundo para velhas tramas já fartamente decantadas. Movimentos populares contra a ditadura na Era Vargas e o florescimento do Comunismo, com o mesmo enfoque de "Joia Rara", puderam ser vistos na novela "Esperança" (2002-2003), de Benedito Ruy Barbosa – trama na qual Thelma Guedes colaborou no roteiro.

Sabemos que a telenovela é a arte de contar uma mesma história, só que de uma forma diferente. E assim é "Joia Rara", como qualquer outro folhetim. Silvia, personagem de Nathalia Dill, é a Nina vingativa da vez (personagem de Débora Falabella em "Avenida Brasil"). Ela também quer vingar o pai que caiu em desgraça, e por isso se infiltra na família de seu carrasco sob um disfarce cheio de boas intenções.

Nessa semana, a novela deflagrou outra trama batida de nossos folhetins. Iolanda (Carolina Dieckmann) aceitou casar-se com o ricaço Ernest Hauser (José de Abreu), bem mais velho e apaixonado por ela, como forma de pagamento da dívida que seu pai, Venceslau (Reginaldo Faria), contraiu com ele no jogo – apesar de ela sentir verdadeiro asco pelo velho e estar apaixonada por outro homem, Mundo (Domingos Montagner).

Thelma Guedes – de novo ela – já havia ajudado a desenvolver essa mesma história na novela "Chocolate com Pimenta", de Walcyr Carrasco (2003-2004). Nela, foi o Conde Klaus (Cláudio Corrêa e Castro) quem exigiu casar-se com a bela Celina (Samara Felippo) como pagamento da dívida do pai dela, Reginaldo (Antônio Grassi) – apesar de ela ser apaixonada pelo jovem Guilherme (Rodrigo Faro).

Essa história já foi contada outras vezes. Em 1965, a novela "A Deusa Vencida", de Ivani Ribeiro, apresentava o dilema de Cecília (Glória Menezes) que, apaixonada por Edmundo (Tarcísio Meira), se viu obrigada a casar sem amor com Fernando (Edson França) para saldar a dívida de seu pai Lineu (Altair Lima).

Este também foi o ponto de partida da novela "Direito de Amar" (1987), escrita por Walther Negrão a partir de uma radionovela de Janete Clair. Nela, o banqueiro Francisco de Montserrat (Carlos Vereza) obrigava seu devedor Augusto (Edney Giovanazzi) a lhe dar a mão de sua filha, Rosália (Glória Pires), como pagamento de uma dívida. Rosália amava o filho do banqueiro, Adriano (Lauro Corona).

Ainda: em "Que Rei Sou Eu?" (1989), de Cassiano Gabus Mendes, o queijeiro Roger Vebert (Fábio Sabag) aposta a filha, Suzanne (Natália do Valle) com o conselheiro real Vanoli (Jorge Dória), e perde. Eles se casam, mas ela é apaixonada pelo rebelde Jean-Pierre (Edson Celulari).

Atualização:
Como bem lembrou o leitor Rodrigo BR (num comentário abaixo), a novela "Amor com Amor se Paga" (1984), de Ivani Ribeiro, também tinha essa trama: a jovem Mariana (Cláudia Ohana) se casava obrigada com o velho avarento Nonô Correia (Ary Fontoura) para saldar a dívida de seu pai, Vinícius (Adriano Reys). Ela amava Tomaz (Edson Celulari), filho de Nonô.

Sobre as tramas que se repetem em "Joia Rara", tem ainda o amor impossibilitado pela diferença de classes sociais (Franz/Bruno Gagliasso e Améia/Bianca Bin) – um clássico do folhetim, quase toda novela tem -, e o bebê tomado dos braços dos pais que é criado por outra família, que no futuro descobrirá seus verdadeiros pais (trama já abordada em "Cordel Encantado").

"Joia Rara" está apenas começando, mas fica aquela impressão de que já vimos essa novela antes. Mas com outra cara – ou outras caras. Pelo menos a cara de "Joia Rara" é bem bonita.

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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