Com texto inspirado, autores de “Sangue Bom” usaram bem o elenco numeroso
Nilson Xavier
01/11/2013 20h24
Sophie Charlotte (Amora), Tuna Dwek (Sueli Pedrosa) e Giulia Gam (Bárbara Ellen) (Foto: Divulgação/TV Globo)
"Sangue Bom", a novela das sete da Globo que terminou nesta sexta-feira (01/11), vai deixar saudades. Nossa TV anda carente de bons textos, bem escritos, que não subestimem a inteligência do telespectador. A trama de Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari teve o mérito de aliar a qualidade do roteiro ao divertimento: cumpriu bem sua função de novela das sete (simplesmente entreter) e ainda fez crítica ao mundinho das celebridades, sua principal proposta.
Através de um texto irônico e divertido, "Sangue Bom" abordou de uma forma inteligente um tema próprio desses nossos tempos, de reality-shows e mídias sociais: a necessidade de manter-se em evidência a qualquer custo, sem mérito e com o mínimo esforço. O ser lembrado, o ser amado, o ser "seguido" (na internet). "Sangue Bom" não levantou nenhuma profunda discussão psicossocial – nem podia. Mas é digna de mérito por simplesmente fazer refletir com comicidade sem subestimar seu público.
Como pano de fundo, a aproximação de seis jovens, os protagonistas: Bento (Marco Pigossi), Amora (Sophie Charlotte), Malu (Fernanda Vasconcellos), Fabinho (Humberto Carrão), Giane (Isabelle Drummond) e Maurício (Jayme Matarazzo). A aposta nos seis promissores atores revelou-se acertada. O texto bem amarrado, a direção firme e o entrosamento desse elenco fez com que tudo fluísse conforme o planejado, como em um casamento feliz.
A Globo sempre investiu e apostou em jovens atores. Não fosse assim, como teria sido a carreira de Glória Pires? Depois de alguns poucos papeis sem muita relevância, foi a aposta nela como protagonista da novela "Cabocla" (de Benedito Ruy Barbosa, em 1979) que lançou a então adolescente atriz ao estrelato. Aliás, o remake desta mesma novela (de 2004) lançou outra jovem que hoje brilha na TV: Vanessa Giácomo, a Aline de "Amor À Vida".
Os vilões mexem com os sentimentos do público. Amora e Fabinho foram personagens bem mais complexos do que simples vilões. Suas vilanias talvez fossem dignas da mais folhetinesca das novelas. Mas suas personalidades foram bem além do mero maniqueísmo. Apesar da redenção, eles mantiveram a mesma essência: Fabinho pagou o preço de suas maldades, mas nunca deixou de ser interesseiro, enquanto Amora comeu o pão que ela mesma amassou com veneno. Os atores – Sophie Charlotte e Humberto Carrão – foram dois dos maiores destaques da novela.
Um time de coadjuvantes de peso garantiu o suporte para os jovens atores: Giulia Gam (Barbara Ellen), histriônica, exagerada, uma aspirante a Viúva Porcina; Malu Mader forçando um sotaque (paulistanês?) fake com sua Rosemere, mas tão bonitinho em sua boca; Ingrid Guimarães e sua Tina (melhor na "fase Nina de Avenida Brasil"); Marisa Orth com suas Damáris e Gladis – uma espécie de releitura da Nicinha de "Rainha da Sucata" -; e Letícia Sabatella responsável por partes dramáticas da novela, com Verônica e sua outra face, Palmira Valente.
"Sangue Bom" não ficou imune aos percalços. O diretor Carlos Araújo foi afastado. O ator Josafá Filho (Filipinho) também, por um tempo. Xuxa Lopes (Bluma Lancaster) afastou-se. A novela tinha um elenco gigantesco, com muitos jovens atores, vários deles desconhecidos do público ("Ti-ti-ti" também tinha). Ao seu término, eu ainda não sabia quais eram os filhos de Damáris (Marisa Orth) e quais os filhos de Brenda (Letícia Isnard). Pra quê tanto filho, empregada e secretária? Apesar do elenco inchado, parece que nenhum ator coadjuvante ficou sem algum destaque em algum momento. Mais um ponto para os autores, que souberam administrar um elenco grande dando falas para todo mundo.
Três características de "Ti-ti-ti" foram repetidas em "Sangue Bom": a trilha sonora bacana, a citação a outras novelas e personagens de nossa Teledramaturgia, e a homossexualidade tratada de uma forma para lá de natural, com direito a final feliz para casais gays. Sem levantar bandeira, a diversidade imperou em "Sangue Bom" – inclusive através da figura da Mulher Pau-de-Jacu (Luiz André Alvim) – travesti? transsex? drag-queen?
Longe da audiência alcançada por "Cheias de Charme" (2012), o último grande sucesso do horário (média final de 30 pontos no Ibope da Grande São Paulo), "Sangue Bom" teve um resultado até modesto no Ibope: 25 pontos – enquanto "Aquele Beijo"(2011-2012) alcançou o mesmo número, e "Guerra dos Sexos" (2012-2013) fechou com 23.
Difícil listar todos os destaques de elenco quando uma novela é redonda, bem dirigida e todos tem uma boa parcela de destaque. Além dos já citados, vale ressaltar ainda a jovem Tatiana Alvim, a Socorro (representante dos talifãs de celebridades); Ellen Roche, com sua radiante Mulher Mangaba (que merecia um programa de entrevistas de verdade na televisão #dica); e Tuna Dwek, como Sueli Pedrosa, a viperina repórter de fofoca, através da qual "Sangue Bom" ensinou que a mídia constrói e destrói uma persona com a mesma rapidez e facilidade, e que todos, sem exceção, têm teto de vidro, inclusive a mídia e seus representantes.
Sobre o autor
Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.
Sobre o blog
Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.