Para garantir audiência, “Amor à Vida” usa barracos e humor popularesco
"Gancho", no jargão novelístico, é aquele momento clímax ao final do capítulo que aguça a curiosidade do telespectador e o leva a continuar a acompanhar aquela história, no capítulo seguinte. Reza a cartilha que, para sobreviver ao longo de sete, oito meses, uma novela precisa de bons ganchos diários. É assim desde os folhetins do século XIX.
O capítulo deste sábado (23/11) de "Amor à Vida" revela muito sobre a novela. Começou com um gancho, digamos no mínimo, fraco: Félix (Mateus Solano) recebe a conta do restaurante chique onde jantou e conclui que não tem como pagá-la. O que isso tem a ver com a trama central da novela? Absolutamente nada. A não ser que tal situação iria render mais uma performance cômica do personagem.
E assim foi: Félix ligou para a mãe, que mandou um motorista com o dinheiro, que, por sua vez, levou Félix para dormir em um hotel barato e sujo – com direito a um escândalo por causa de uma barata no quarto (irc!). Engraçado? Até é. Mateus Solano deita e rola no personagem. E os esquetes escritos por Walcyr Carrasco arrancam um riso aqui, outro ali, graças ao ótimo desempenho do ator.
E assim foi o resto do capítulo, com situações envolvendo Valdirene (Tatá Werneck) e sua trupe, Amarylis (Danielle Winits) "e seus dois maridos", e Pilar (Susana Vieira), divagando sobre um possível romance com um rapaz mais jovem. Relevante para a trama central da novela, apenas a ameaça de Valentim (Marcelo Schmidt) sobre Félix, o que levou ele, ao final, a procurar Márcia (Elizabeth Savalla) – este sim, um bom gancho.
"Amor à Vida" tem uma história central até interessante, calcada na luta pelo poder no Hospital San Magno e em segredos obscuros do passado da família Khoury, como a vingança pessoal de Aline (Vanessa Giácomo) e o laço que une Márcia a Félix. Enquanto cozinha sua novela até o final de janeiro, Carrasco vai "enchendo linguiça" com lágrimas de Niko (Thiago Fragoso) e pastelão digno de um humorístico de qualidade duvidosa.
"Barriga", no jargão novelístico, é aquele momento da novela em que o autor – com prazo longo para cumprir e sem muitas histórias ainda para render – vai enrolando a trama.
O capítulo de sábado foi um exemplo de como "Amor à Vida" tem um alicerce frágil. É uma novela baseada em alguns eventos "bombásticos" (como os barracos da família Khoury), soltos em alguns capítulos durante a semana com o intuito de despertar a audiência. Foi ótimo o capítulo em que Paloma (Paolla Oliveira) descobriu que Félix jogou sua filha recém-nascida numa caçamba. Na quarta-feira (20/11), a surra de cinto que Félix levou do pai mereceu uma chamada especial, mas não passou de uma sequência constrangedora e sem sentido. E, assim, Carrasco vai causando algum alarde com seus barracos – que só não são dignos de "Casos de Família" (programa popularesco do SBT) porque tem um verniz de novela global.
Fora isso, o autor insiste em um humor popularesco e pouco condizente com a proposta realista da novela e com seu horário de exibição. Pouco condizente inclusive com a ótima direção. Sorte de "Amor à Vida" ter uma ótima direção (geral de Mauro Mendonça Filho). Ainda: pelo fato do capítulo de sábado anteceder o "Zorra Total", fica a impressão de que o batidíssimo humorístico é uma extensão da novela – como já anuncia a chamada do programa nos intervalos de "Amor à Vida": "Sábado à noite a novela continua, e vai ser uma Zorra Total!".
E dizer que Nina foi enterrada viva em um capítulo de sábado!…
PS: Uma sequência deste capítulo merece elogio: Linda ganhou uma bicicleta. Bruna Linzmeyer está excelente no papel. A direção realizou uma cena curtinha, mas emocionante.
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