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Cronologia das primeiras fases de "Em Família" confundiu o público

Nilson Xavier

11/02/2014 12h32

Vanessa Gerbelli e Júlia Lemmertz na terceira fase de

Vanessa Gerbelli e Júlia Lemmertz na terceira fase de "Em Família" (Foto: Divulgação/TV Globo)

Um cartaz de "Confissões de Adolescente" (série de sucesso na década de 1990, que estreou na TV Cultura em 1994) virou o pomo da discórdia entre quem acompanhou as duas primeiras fases da novela "Em Família". Tanto nas chamadas, quanto na estreia, a produção informava que a primeira fase tinha início no ano de 1982, e a segunda, em 1990 (imagem abaixo). Em 1982, um pôster do filme "Flashdance" fazia todo o sentido como elemento de cenário, para ambientação – se bem que o filme só estreou no Brasil em 1983, mas tudo bem! Em 1990, o pôster de "Flashdance" continuava na parede – precisa ser muito fã do filme ou ter algo a ver com a dança para mantê-lo lá por tanto tempo (não seria o caso de substituir por um pôster de "Ghost"?). Entretanto, como podia um programa de TV que estreou em 1994 ("Confissões de Adolescente") ser referenciado em 1990?

Iniciou-se então uma verdadeira "caça às bruxas" por elementos de cena (e furos cronológicos) que ajudassem a elucidar o tempo da trama. Os menos atentos, que achavam que a história se passava na época de "Confissões de Adolescente", ficaram perplexos ao se deparar com automóveis que não combinavam com o ano de 1994, por mais parada no tempo que fosse a cidade onde se passa a história de "Em Família". Aliás, tirando o cartazinho de "Confissões", que só apareceu na segunda fase, poucos elementos de cena diferenciaram a primeira fase da segunda. Os automóveis pareciam que mal haviam sido trocados.

A situação só piorou quando aconteceu uma formatura na segunda fase, em que foram exibidos carros que remetiam à década de 1950 ou 1960. Bem como figurinos e penteados, um tanto quanto exagerados – inclusive – para o ano de 1990. Lembrou um baile de "Anos Dourados". Outro complicador: os figurinos, maquiagem e cabelos em nada lembravam a moda de 1982 ou de 1990. Onde estavam os cabelos "capacete" dos rapazes (em voga em 1982), ou os cabelos volumosos estilo "poodle" das moças (de 1990). Ombreiras, calças baggy, sombra esfumaçada nos olhos – tudo isso foi ignorado. A caracterização dos personagens soou atemporal, sem elementos que ajudassem o público a identificar o tempo da ação ou ambientar a história.

Da mesma forma, a trilha sonora. Em uma festinha de jovens, ouviu-se de Barão Vermelho a Engenheiros do Hawaii e Legião Urbana, com músicas de 1983 a 1986 – e a festa não parecia ser do tipo temática, que exaltasse o rock nacional dos anos 80. Mesmo para 1990, essa trilha já soava datada, pois na época a juventude também ouvia outras coisas (cadê a referência à lambada, que estourou em 1990?). Sim, já estou descontando o fato da trama se passar, também, em uma cidadezinha do interior (a fictícia Esperança), o que, supostamente, a tornaria um lugar "mais atrasado" (o que nunca é regra).

Screenshot da chamada da novela (por @dibbissimo)

Screenshot da chamada da novela (por @dibbissimo)

Não, eu não sou do tipo chato que fica catando furo em novela – o que é realmente muito chato, já que "novela é novela, dá-se um desconto", tudo vira "licença poética" e "é preciso voar!" (esta última, célebre frase de Glória Perez). Mas, pareceu que a cronologia "estapafúrdia" de "Em Família" foi proposital. Não para confundir, mas porque, para o entendimento da história, pouco importava mesmo. Não estou defendendo o recurso, apenas tentando explicar. A história de "Em Família" se passa na pré-adolescência dos protagonistas e, anos depois, quando eles são jovens crescidos. Por fim, dá um salto para a atualidade, quando eles estão maduros. Afinal, isso é o que interessava, não suas datas exatas, certo?

Ou este recurso seria para disfarçar furos maiores? Como as idades dos atores escalados para a terceira fase. Não vou cometer a indelicadeza de entregar a idade de nenhuma atriz, então me atenho apenas à aparência do elenco. Ana Beatriz Nogueira, mãe de Gabriel Braga Nunes – quando os dois parecem ter quase a mesma idade. O mesmo vale para Natália do Valle, mãe de Júlia Lemmertz. Natália já viveu uma filha de Lílian Lemmertz (mãe de Júlia) na novela "Final Feliz" (em 1983). Mas escalações desse tipo são bastante recorrentes. A própria Júlia Lemmertz já foi filha de Cláudia Alencar na novela "Porto dos Milagres", em 2001 (Cláudia também já havia interpretado filha de Lílian Lemmertz anteriormente). E Júlia ainda foi filha de Louise Cardoso na minissérie "Tenda dos Milagres" (em 1985).

Sabemos que, nesses casos de escalação, o que importa não é a idade dos atores, mas a idade dos personagens, afinal, os atores estão dando vida a eles. É sempre válida uma caracterização, que faz com o que o ator pareça mais velho ou mais novo do que seu personagem. Também vale dizer que, hoje em dia, diante de uma indústria de beleza tão avançada, várias mães se parecem mesmo com suas filhas.

Postos estes argumentos todos, uma última ressalva. A atriz Gabriela Carneiro da Cunha viveu, na primeira e segunda fase, Juliana, tia de Helena (Bruna Marquezine), que, pela aparência, ficava claro ser mais velha que sua sobrinha. No capítulo desta segunda-feira (10/02), quando se iniciou a terceira fase, a personagem da tia apareceu na pele de Vanessa Gerbelli, uma atriz visivelmente mais nova que Júlia Lemmertz (Helena). Ratificando: o que se especula aqui não é o fato da sobrinha parecer mais velha que a tia (o que é bastante comum). Mas a discrepância na aparência das personagens na passagem de uma fase para a outra.

Voltando ao pôster de "Confissões de Adolescente": a versão em filme do seriado – uma produção da Globo Filmes – está em cartaz pelo Brasil. Isso explica o pôster na parede, contrariando a cronologia da novela. E "Flashdance" foi – providencialmente – exibido na "Sessão da Tarde" durante a semana de estreia de "Em Família". Cronologia estapafúrdia? Talvez nem tanto.

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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