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“Joia Rara” usa referências atuais, apesar de ser uma trama de época

Nilson Xavier

26/02/2014 12h31

Karine Carvalho, Ana Cecília Costa e Carolina Dieckmann em

Karine Carvalho, Ana Cecília Costa e Carolina Dieckmann em "Joia Rara" (Foto: Divulgação/TV Globo)

No capítulo desta terça-feira (25/02) de "Joia Rara" aconteceu uma discussão entre um grupo de mulheres sobre direitos trabalhistas, em que elas defendiam e reivindicavam melhores condições de trabalho (como creches para seus filhos) e reclamavam da discriminação pela qual passavam, principalmente por causa de salários menores quando comparado aos dos homens. Até "creche comunitária" foi citada. Tudo muito pertinente. Não fosse o fato da novela ser "de época" – "Joia Rara" se passa na década de 1940.

As leis trabalhistas que garantiram melhorias nesse cenário (tanto para homens quanto para mulheres) foram criadas com a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) em 1943, época da novela. É evidente que, na prática, as conquistas levaram anos para acontecer de fato, e muita coisa precisa ser discutida ainda hoje. Essa questão continua atual. Portanto, é até natural trazê-la à luz do nosso tempo.

Entretanto, poucas mulheres teriam, na década de 1940, o discernimento de levantar essa discussão como foi apresentado na novela. Pareciam feministas da década de 1970 – só faltou queimarem anáguas em praça pública. A personagem Lindinha (Cacau Protásio) era uma das mais esfuziantes. Gaia (Ana Cecília Costa) tem sangue anarquista, seria mesmo muito condizente sua personagem ter esse sentimento pelos direitos da mulher e inflamar as senhoras ao redor com um discurso feminista.

Acredito que uma mulher comum daquela época, acostumada com o machismo vigente, não se expressaria de tal forma. E estamos falando de um tempo em que a mulher não trabalhava fora, mas vivia para o casamento (ficar em casa cuidando do marido e filhos) – mesmo que a novela tenha um núcleo proletário, que luta contra as injustiças sociais e cujas mulheres são pobres e precisam trabalhar. Foi a partir da Segunda Guerra (época da novela) que esse movimento, pelos direitos trabalhistas das mulheres, ganhou maior ênfase.

tweetDaí um comentário meu no Twitter, de que as mulheres de "Joia Rara" pareciam à frente de seu tempo. Thelma Guedes (que escreve a novela com Duca Rachid) me respondeu naquele momento que a ideia era falar com as mulheres de nosso tempo. Concordo! Muito mais do que uma "liberdade criativa", a obra ficcional, ainda que retrate um tempo passado, precisa encontrar respaldo em seu público contemporâneo. Melhor ainda se conscientiza ou presta um serviço social de esclarecimento através da ficção.

Usar parâmetros modernos como referência é uma opção. Outra é ser estritamente fiel à época exibida. "Joia Rara" tem em sua trilha sonora várias músicas que só foram gravadas muitos anos depois do período da novela. Isso está claro nos shows apresentados no cabaré Pacheco Leão, dentro da trama. O Bataclã da novela "Gabriela" (o remake de 2012) remetia ao glamoroso Moulin Rouge, impensável na Ilhéus da década de 1920. A trama de "Lado a Lado" (2012-2013) reconstruiu fatos históricos do início do século XX, mas sua trilha também era "moderna". Usar referências atuais é uma liberdade criativa bem-vinda: cria maior empatia e identificação com o público.

Sim, as mulheres de "Joia Rara" são à frente de seu tempo.

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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