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Apesar do ótimo elenco, protagonistas de “Em Família” não são populares

Nilson Xavier

25/05/2014 01h08

Júlia Lemmertz (Helena) e Humberto Martins (Virgílio) Foto: Divulgação/TV Globo.

Júlia Lemmertz (Helena) e Humberto Martins (Virgílio) Foto: Divulgação/TV Globo.

Tenho sentido por parte do público uma certa má vontade com os protagonistas de "Em Família". Em minha compreensão, absolutamente justificável, diante de um roteiro pouco atraente. Mas, essa "preguiça" do telespectador acaba respingando em seus intérpretes. Desconsideremos aquela questão de escalação de elenco, com idades de alguns atores incompatíveis com os perfis de seus personagens. Se a novela das nove da Globo não cativou grande audiência, não creio que a culpa seja do elenco.

Quase em sua reta final, e com o Ibope ainda aquém do esperado para o horário, os protagonistas da trama de Manoel Carlos definitivamente não caíram nas graças do grande público, que acabou por atribuir a cada um deles predicados depreciativos: Helena (Júlia Lemmertz) é chata, ou neurótica; Luiza (Bruna Marquezine) é mimada, ou também chata; Laerte (Gabriel Braga Nunes) é frio, ou "psicopata", no sentido generalizado de doente; e Virgílio (Humberto Martins) é "bobão", ou um fraco.

Como a personagem Helena é a base das novelas de Manoel Carlos, há de se tentar entender o que desencadeia as atitudes, ou os sentimentos da personagem de "Em Família". O amor mal resolvido, "encubado", ou carregado de raiva e rancor, que ela sente por Laerte, justifica suas atitudes. Helena não é neurótica. Ela apenas entra em parafuso com a ideia de que sua amada filha envolveu-se com o homem responsável por todo o seu sofrimento. Acho esta uma das mais complexas Helenas que Maneco já criou. E, sua intérprete, Júlia Lemmertz – reconhecidamente uma excelente atriz, por tantos trabalhos na TV, cinema e teatro, – está ótima no papel da Helena "chata ou neurótica".

Virgílio é o que podemos chamar de um "homem manso", aquele tipo calmo e ponderado. Ver sua mulher Helena deixar transparecer um misto de ódio e amor por Laerte, o faz sofrer. Assim como presenciar o romance de sua filha com o homem que quase o matou no passado, cuja cicatriz do rosto não o deixa esquecer o sofrimento que causou a ele e a sua família. Virgílio, apesar de seu temperamento dócil, já deu provas de que não tem sangue de barata: já explodiu com Helena, com Laerte e com Luiza. Alguém duvida de que Humberto Martins esteja bem no papel?

Gabriel Braga Nunes (Laerte) e Bruna Marquezine (Luiza). Foto: Divulgação/TV Globo.

Gabriel Braga Nunes (Laerte) e Bruna Marquezine (Luiza). Foto: Divulgação/TV Globo.

Dos quatro protagonistas, Laerte, talvez, seja o único cujo intérprete – Gabriel Braga Nunes – não alcançou um tom apropriado para seu personagem dentro da história. Por que Laerte é tão frio e impassível, quando na primeira e segunda fases da novela era um cara absolutamente passional? – o que justificava seu amor doentio pela prima Helena. O tempo que passou na Europa o transformou tanto assim? Difícil é esse tom, que Braga Nunes imprimiu ao personagem, encontrar respaldo no público. Ao meu ver, prejudica a história, inclusive. Laerte não é bom, não é mau. Tampouco parece humano: seu olhar é sempre frio, distante, desprovido de emoção. Em minha opinião, antes continuasse a ser excessivamente passional. (Observação: o Laerte jovem foi interpretado pelos atores Eike Duarte e Guilherme Leicam).

Luiza é mimada e voluntariosa sim. A personagem passou por cima da família para ficar com o homem que ama. Difícil escolha para ela: a mãe, Helena, ou a paixão por Laerte? Mais uma daquelas personagens que causam uma catarse no público. Amamos odiar Luiza, assim como odiamos várias outras garotas mimadas e inconsequentes recorrentes na obra de Manoel Carlos. Vamos relembrar: Mira (Lídia Brondi) em "Baila Comigo" (1981), Joice (Carla Marins) em "História de Amor" (1995-1996), Eduarda (Gabriela Duarte) em "Por Amor" (1997-1998), Camila (Carolina Dieckmann) e Íris (Deborah Secco) em "Laços de Família" (2000-2001), Dóris (Regiane Alves) em "Mulheres Apaixonadas" (2003), e Isabel (Adriana Birolli) em "Viver a Vida" (2009-2010).

Bruna Marquezine responde à altura da exigência de sua personagem. A aposta na atriz é acertada: o grande público odeia Luiza, afinal. A personagem já teve discussões acaloradas com Helena e Laerte, em cenas que exigiram bastante da atriz. Inadmissível é confundir atriz com personagem, a figura pública com a ficcional. Em mais de sessenta anos de telenovela diária, ainda tem público que precisa exercitar esse tipo de imparcialidade.

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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