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Seminário discute estratégias de transmídia para o futuro da Telenovela

Nilson Xavier

28/08/2014 15h29

Mesa de abertura do OBITEL (Foto: Reinaldo Marques)

Mesa de abertura do OBITEL (Foto: Reinaldo Marques)

Aconteceu na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), entre os dias 26 e 27 de agosto, o IX Seminário OBITEL – Observatório Íbero-Americano de Ficção Televisiva -, formado por acadêmicos de doze países: Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, México, Estados Unidos, Portugal e Espanha. Os coordenadores foram os professores Maria Immacolata Vassallo de Lopes, da Universidade de São Paulo, e Guillermo Orozco Gómez, da Universidade de Guadalajara (México).

O OBITEL realiza anualmente o monitoramento e análise da produção, circulação, audiência e repercussão sociocultural dos programas ficcionais em televisão aberta produzidos nesses países. Entre seus principais objetivos estão identificar as representações que os diversos países fazem de si e dos outros, através de seu principal gênero televisivo, e fornecer uma visão sobre a força cultural e econômica que a ficção adquiriu nas televisões desses países. No evento, também é lançado o Anuário OBITEL, com o registro de todas essas pesquisas.

Com apoio da TV Globo, em parceria com o Centro de Estudos de Telenovela da ECA-USP, o OBITEL 2014 contou com profissionais dos países envolvidos, da Globo e do Ibope. O tema deste ano foi "Estratégias da Produção Transmídia na Ficção Televisiva". Uma das questões apresentadas foi como a penetração e o crescimento da internet na Ibero-América estão transformando as redes sociais virtuais nas principais plataformas de transmidiação dos conteúdos de ficção.

O principal orador do evento foi o Professor Michael Curtin, da Universidade da California, com a palestra "Styles of Creativity and Capital in Global Television", em que defendeu a ideia de que estamos vivendo uma proliferação de meios de comunicação e que muitos deles estariam sendo produzidos e veiculados pela indústria da televisão, que continua sendo a mais lucrativa e poderosa do mundo. Destacou que praticamente todos os aspectos da indústria do cinema e da TV estão sendo modificados por uma revolução da distribuição digital, um fenômeno no qual media capitals (capitais de midia) estariam começando a utilizar mecanismos de produção transnacional, a fim de conhecer melhor públicos alvos e competir com o mercado tradicional.

Nos dois dias de seminário, algumas informações me chamaram a atenção:

– O Professor Curtin ressaltou que os grandes aglomerados de comunicação, matrizes de empresas de televisão e cinema, nunca são nas capitais políticas dos países – Bollywood: Mumbai (Índia), Hollywood: Califórnia (EUA), Hong-Kong, etc. – justamente para que essas empresas possam trabalhar de forma mais independente, sem interferências políticas.

– A indústria cosmética continua sendo a que mais investe em merchandising dentro das novelas. Uma tradição que se renova com o passar do tempo, já que foi essa indústria que, nos primórdios da TV, lançou as telenovelas. Até a década de 1960, a Gessy-Lever e a Colgate-Palmolive eram os maiores patrocinadores de novelas no Brasil, tendo sido, inclusive, responsáveis pela produção e divulgação de várias (por isso que, em inglês, "novela" é "soap opera", "ópera de sabonete").

– Palavras de Juliana Sawaia, do Ibope: "A TV não vai morrer. A forma de lidar com a TV é que vai se transformar". O que já está acontecendo, haja vista a produção de novelas que já preveem ações de transmídia e cross-mídia (junção de TV e internet, Social TV, conteúdo para internet, redes sociais e outras plataformas).

– Na Colômbia, atualmente, as séries produzidas lá estão fazendo mais sucesso que as novelas.

– O Uruguai não possui know-how e tradição na produção de telenovelas, que ainda é muito tímida. Basicamente, o país importa novelas do Brasil e da Argentina.

– No Peru, o merchandising dentro das novelas é ostensivo e exagerado aos olhos do brasileiro. Já na Venezuela, por causa do controle político, é proibido.

– A TV venezuelana sofre com a influência e censura do governo deste país, que, entre outras coisas, proíbe o merchandising social (e de qualquer tipo). Suas produções são marcadas pela presença de armas e violência e exaltação ao governo. No país, imperam as novelas mexicanas e colombianas, por terem uma narrativa mais tradicional, que passam pelo crivo da censura do governo venezuelano.

– As novelas brasileiras são conhecidas lá fora por serem "mais moderninhas", ou melhor, mais ousadas, tanto em conteúdo e narrativa quanto em produção. As mexicanas, por sua vez, por serem mais tradicionais, mais calcadas no melodrama folhetinesco, tem uma penetração maior pelo mundo afora, principalmente em países mais conservadores, ou aqueles que sofrem com maior controle do governo (como na Ásia, África ou Leste Europeu). Em alguns países de governo ditatorial, as novelas da Globo são, muitas vezes, vistas como subversivas. Daí a maior penetração mundial do modelo mexicano de telenovela, do que do modelo brasileiro.

– A emissora mexicana Televisa segue sendo a maior produtora de telenovelas do mundo. Uma parte deste poderio se deve à enorme audiência de suas novelas entre a população hispânica nos Estados Unidos, onde o mercado publicitário voltado a essa audiência é muito grande e representativo.

– Curiosamente, a equipe mexicana do OBITEL não conta com o apoio da Televisa. Diferente do que acontece no Brasil, em que a equipe brasileira tem o apoio da TV Globo.

– Não existe entre os executivos da TV mexicana o interesse em inovar o modelo de suas novelas (como aconteceu no Brasil entre o final da década de 1960 e por toda a década de 1970). A TV mexicana continua vendendo e lucrando como nunca, e, para eles, isso é o que importa. Vale ressaltar que a figura mais importante nas telenovelas mexicanas é a do produtor, diferente do Brasil, em que as emissoras apoiam autores e diretores em suas propostas artísticas.

– De acordo com os dados das TVs mexicana e americana (nos EUA, as novelas são predominantemente mexicanas), o público está envelhecendo, já que a faixa etária que mais assiste novelas é de pessoas acima de 30 anos. Os jovens são os que menos assistem TV na forma tradicional. Ou não veem, ou migram para outras plataformas (segunda, terceira telas). A Professora Immacolata (da USP) questionou os mexicanos se não estaria havendo uma debandada deste público jovem, que poderia estar trocando as novelas pelas séries americanas, que fazem muito sucesso nos EUA. A questão ficou em aberto, para reflexão.

Em comum entre as emissoras de todos os países envolvidos está o esforço em gerar conteúdo para outras plataformas (transmidiação), não limitando-se apenas à produção da novela para a TV aberta. Esta é uma realidade já entendida pelos executivos de televisão do mundo todo. O alvo é – principalmente – a fidelização do público mais jovem, que garantirá a sustentação (e sobrevivência) da telenovela como formato, no futuro. É a TV aliando-se ao que poderia ser seu inimigo. E a telenovela precisa acompanhar essa nova forma de lidar com a televisão.

Visite a página do OBITEL.

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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