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Provocativa e pretensiosa, “Babilônia” afastou-se do folhetim e fracassou

Nilson Xavier

28/08/2015 22h42

Glória Pires (Beatriz) e Adriana Esteves (Ines) (Foto: Reprodução)

Glória Pires (Beatriz) e Adriana Esteves (Ines) (Foto: Reprodução)

Nesta sexta (28/08) foi ao ar o derradeiro suspiro de "Babilônia", novela de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga que penou com a repercussão negativa refletida na baixa audiência. Apesar de a emissora continuar sendo líder no horário, foi o menor Ibope já registrado em uma novela do prime-time da Globo: fechou com média geral de 25 pontos na Grande São Paulo. As duas anteriores, "Em Família" e "Império", marcaram 30 e 33 respectivamente. "Avenida Brasil" foi o último "grande sucesso" do horário, com 39 de média final.

O ápice da crise se deu quando estreou a trama das sete, "I Love Paraisópolis", de forte apelo jovem e popular: "Babilônia" teve audiência menor que a "I Love…" em alguns dias, e empatou em outros. Uma "humilhação", reconhecida por Gilberto Braga em uma entrevista ao jornal "O Globo", em maio. Ainda: em duas ocasiões, "Babilônia" empatou com a novela das seis, "Além do Tempo".

As chamadas de estreia do novo folhetim com a "grife Gilberto Braga" aguçaram a curiosidade do público. O primeiro capítulo foi "de tirar o fôlego". Elogiei bastante essa estreia (leia AQUI). O que se viu foi um capítulo dinâmico, bem roteirizado, numa ótima produção e direção, e performances excelentes da dupla Glória Pires e Adriana Esteves, as protagonistas vilãs. Entretanto, os autores pesaram nas temáticas abordadas, provocando e assustando o público mais tradicional. De cara, sem aviso prévio, um beijo carinhoso e demorado entre as lésbicas vividas por Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg. Também violência doméstica e assassinato.

Os autores não pouparam o público e o público não perdoou. Diante de filha esbofeteando mãe e filho ameaçando pai, a audiência foi despencando vertiginosamente nas semanas seguintes. Para piorar, uma campanha anti-Babilônia por parte da uma ala mais conservadora da sociedade. Ao mesmo tempo, a concorrência estava bem munida: o SBT permanecia estável com a infantil "Chiquititas" e pôs a reprise do sucesso "Carrossel" para competir no horário, e a Record ganhava audiência com a bíblica "Os Dez Mandamentos", ainda que o enfrentamento direto com "Babilônia" fosse por pouco tempo.

O fato é que, apesar do ótimo primeiro capítulo, nas semanas que se seguiram, "Babilônia" foi desvendando um roteiro inconsistente. Era uma trama que prometia, mas que se revelou sem muito apelo. Para piorar, a mocinha, vivida por Camila Pitanga, ganhou a pecha de chata e a antipatia do público. Não havia na trama central um conflito romântico forte ou personagens com os quais o telespectador pudesse se identificar e torcer. Apenas duas vilãs loucas numa briga de gato e rato, e uma mocinha intragável que falava "pleiba"!

Camila Pitanga (Regina) e Thiago Fragoso (Vinícius) / Arlete Salles (Consuelo) (Foto: Divulgação/TV Globo)

Camila Pitanga (Regina) e Thiago Fragoso (Vinícius) / Arlete Salles (Consuelo) (Foto: Divulgação/TV Globo)

Após uma enxurrada de críticas, de todos os lados, os autores se mobilizaram para tentar consertar a novela. Foi quando a emenda saiu pior que o soneto. As alterações descaracterizaram os perfis de vários personagens. A grande vilã Beatriz (Glória Pires), uma mulher fria e calculista, ávida por sexo e poder, se revelou uma romântica boboca ao se apaixonar pelo nadador Diogo (Thiago Martins), num romance pouco crível.

Alice (Sophie Charlotte) e sua mãe Inês (Adriana Esteves), que se odiavam, se reconciliaram e viraram melhores amigas da noite para o dia. Alice, que era para ser uma prostituta de luxo, se tornou uma mocinha chorosa. O cafetão Murilo (Bruno Gagliasso) só não perdeu a função na novela porque, nas últimas semanas, os autores o pegaram para ser a vítima do "quem matou". O romance entre Alice e Evandro (Cássio Gabus Mendes), meloso e forçado, foi outra mudança drástica, já que ele havia sido apresentado como um machista mau caráter no início. Ficou claro o foco nos romances para tentar fisgar o telespectador.

Os autores também investiram mais no humor do triângulo cômico (mas pouco engraçado) envolvendo Norberto, Valeska e Clóvis (Marcos Veras, Juliana Alves e Igor Angelkorte). E diminuíram o foco nos personagens gays. O romance estre as lésbicas, que prometia ser uma abordagem interessante, praticamente sumiu da história, sem mais beijos. Outro personagem descaracterizado foi Carlos Alberto (Marcos Pasquim), que seria um gay enrustido de caso com Ivan (Marcello Melo Jr.), mas que acabou envolvendo-se com Regina.

Tanto se mexeu nos dramas e personagens de "Babilônia" que a novela se transformou num remendo só, com tramas alinhavadas às pressas e personagens mal costurados e descaracterizados. Uma "novela Frankenstein". Antes os autores tivessem seguido com a ideia original, porém tateando com cuidado nas abordagens dos temas considerados fortes ou pesados (ao público médio).

Em meio a tantos problemas, um grande destaque: o núcleo do político evangélico e corrupto Aderbal Pimenta, vivido por Marcos Palmeira. Com cenas divertidas envolvendo ele e sua mãe, Consuelo (Arlete Salles dando show), fez-se crítica aos governos populistas e à intolerância. Escândalos políticos atuais foram abordados, bem como a hipocrisia e ignorância do que se faz e pensa em nome da religião para alcançar poder e dinheiro. Aproveitando o gancho, vários diálogos soaram como uma resposta dos autores ao público representante da "tradicional família brasileira" que rejeitou a novela.

"Babilônia" só sofreu rejeição porque faltou aos autores maior cuidado ao apresentar uma trama difícil para o público médio digerir. Temas como preconceito, violência (doméstica ou urbana), prostituição, religião, homossexualidade e corrupção política podem ser abordados e discutidos, desde que com responsabilidade e nunca como uma imposição. Faltou sutileza. E faltou uma história central forte o bastante para cativar a audiência. "Babilônia" foi pretensiosa ao provocar o público e chamar a atenção para temas pesados. Mas isso a afastou do folhetim. Na volta, ao tatear pelo folhetim na esperança de salvação, já não tinha mais o estofo de uma "novela da grife Gilberto Braga".

Leia também: Apesar de tudo, cinco bons momentos de "Babilônia", por Maurício Stycer.

Final de "Babilônia" tem a pior audiência e fica atrás das antecessoras.

Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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