Com narrativa ousada, "Velho Chico" requer atenção do telespectador
Nilson Xavier
27/03/2016 18h42
Tenho estado atento à recepção de "Velho Chico". É uma novela que divide opiniões. Os elogios e críticas são os mais diversos. Elogia-se a iniciativa da Globo em apresentar algo diferente no horário – na ambientação (foge do eixo Rio-São Paulo), na abordagem menos realista e na estética. Ao mesmo tempo, critica-se pelos mesmos motivos. "Novela diferentona" – o que para alguns é um elogio e, para outros, é um defeito.
Causa estranhamento em quem estava habituado à mesma narrativa por décadas a fio. Não é só a fotografia, a luz, a caracterização e o suor dos atores. Os tempos da narrativa são outros. Muitas vezes, a edição contrapõe cenários e diálogos para um mesmo seguimento de ação. Enquanto Afrânio (Rodrigo Santoro) planeja com seu capanga Clemente (Júlio Machado) uma ofensiva contra a fazenda da vizinha Eulália (Fabíula Nascimento), ela está em sua casa resolvendo com Miro (Chico Diaz) a melhor forma de se defender do inimigo. Os dois diálogos seguem intercalados, até que se concluam as cenas. Moderníssimo – pelo menos para uma telenovela.
Outro diferencial é a ação sem diálogo que obriga o telespectador a assistir a novela e a prestar atenção – e não somente a ouvir. Várias das belas sequências de "Velho Chico" dispensaram o diálogo e focaram apenas na imagem com a trilha sonora. Esse tipo de narrativa andava há décadas esquecida em nossas novelas. Chega a ser uma ousadia nesses tempos de concorrência acirrada com outras mídias. Era mais fácil lá nos idos de "Pantanal" (1990), quando a televisão ainda reinava absoluta como forma de entretenimento preferida (ou única) do brasileiro.
"Velho Chico" é uma produção que extrapola o imediatismo supérfluo com que a televisão nos acostumou nas últimas décadas. Como produto audiovisual, está mais para o cinema, que demanda um mínimo de atenção sem interferências externas. Talvez por obrigar o público a degustar suas cenas, "Velho Chico" esteja sendo tachada de "lenta" (outra crítica frequente). No que discordo totalmente. Em duas semanas de exibição, muito aconteceu, vários personagens entraram e saíram, morreram e nasceram. Percebeu quem prestou atenção na novela.
Sobre o autor
Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.
Sobre o blog
Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.