Há 40 anos, o Regime Militar censurou novela por julgar que ela pregava a dissolução do casamento
Há 40 anos, a censura do Regime Militar proibiu a TV Globo de exibir uma novela faltando dez dias para a sua estreia – com chamadas no ar, trinta capítulos já gravados e outros tantos escritos e sendo produzidos. Era "Despedida de Casado", estrelada por Regina Duarte e Antônio Fagundes.
"Atentatória à moral e aos bons costumes" foi o diagnóstico no comunicado oficial do Serviço de Censura e Diversões Públicas de Brasília, que declarava a novela definitivamente proibida por julgar que a obra pregava a dissolução do casamento e da família, o amor livre e o choque entre gerações.
A sinopse de "Despedida de Casado" havia sido liberada pelo Serviço de Censura. Os roteiros dos 30 primeiros capítulos já haviam sido submetidos e estavam aprovados quando se iniciaram as gravações. Porém, quando os capítulos gravados, editados e sonorizados foram para Brasília, a opinião dos censores mudou.
Isso aconteceu às vésperas do Natal de 1976. A Globo anunciava sua nova atração para o horário das 22 horas com estreia para a segunda-feira do dia 3 de janeiro de 1977. A novela era escrita por Walter George Durst (de "Gabriela") e dirigida por Walter Avancini. Um ano antes, o Governo Federal já havia impedido a Globo de levar ao ar "Roque Santeiro", de Dias Gomes, na noite de sua estreia (dez anos mais tarde, após o fim do Regime Militar, foi produzida a versão que conhecemos).
"Despedida de Casado" tratava de um tema tabu para aqueles meados dos anos 70: a separação de casais. A Lei do Divórcio acabou sendo regulamentada em dezembro de 1977. Para o Regime, os casais não se separavam nas novelas de televisão. Ter outros parceiros enquanto casados então, nem pensar! Lauro César Muniz até conseguiu abrir um boa discussão sobre o tema em 1975, em sua novela "Escalada".
Sobre a ideia da novela, Durst declarou: "Começar justamente onde todas as novelas acabam. Ou seja: a vida dos personagens centrais a partir do casamento."
Na trama de "Despedida de Casado", o casal Stela e Rafael (Regina Duarte e Antônio Fagundes) se submetia a uma terapia coletiva de casais, a cargo do psicanalista Lalo, vivido por Claudio Marzo. Dois outros casais em crise também estavam em foco: Odilon e Rejane (Nelson Caruso e Rosamaria Murtinho) e Roque e Lídia (Felipe Wagner e Maria Fernanda).
Assim como aconteceu com "Roque Santeiro" em 1975, com a censura de "Despedida de Casado" a Globo providenciou a reprise de uma novela como tapa-buraco para o horário (no caso, "O Bem Amado") e correu produzir uma nova em substituição, aproveitando a mesma equipe da censurada – no caso "Nina", nova trama de Walter George Durst com o elenco da anterior (novamente Regina Duarte e Antônio Fagundes como protagonistas). "Nina" estreou em junho de 1977. Até a abertura de "Despedida de Casado" acabou reaproveitada em outra novela: "Coquetel de Amor".
Sobre a censura de sua obra, comentou o autor:
"Com certeza os censores não leram toda a proposta da sinopse e permitiram assim que uma conclusão apressada jogasse por terra um trabalho em que venho me empenhando há anos e no qual tive até o trabalho colaborador do psiquiatra Paulo Gaudêncio, que atende cerca de 150 pacientes por mês, quase todos casais em crise. Com seus métodos ultramodernos e superatualizados, o Paulo tem recuperado cerca de 80 por cento dos casais que o procuram. E foi justamente baseado nesta estatística que escrevi a novela. Portanto, 'Despedida de Casado' não era contra o casamento. Eu quis mostrar a crise em que caem os casais depois daquela fase Romeu e Julieta, mas sobretudo eu mostrava que essas crises podem ser superadas. As soluções para isso, eu as busquei em grande parte nos casos do psiquiatra Paulo Gaudêncio, que inclusive foi colocado como personagem da novela (interpretado por Cláudio Marzo)."
Em tempo: "Despedida de Casado" nada tem a ver com outra novela com título parecido: "Despedida de Solteiro", exibida no horário das seis da Globo entre 1992 e 1993.
Leia também: TUDO sobre "Despedida de Casado"
"UOL vasculha arquivos da censura às novelas e mostra curiosidades"
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