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“Dois Irmãos” transmite em belas imagens um crescente clima de tragédia

Nilson Xavier

09/01/2017 23h40

Juliana Paes com os gêmeos Lorenzo e Enrico Rocha. Foto: divulgação/TV Globo

Juliana Paes com os gêmeos Lorenzo e Enrico Rocha. Foto: divulgação/TV Globo

A voz pausada e reticente do ator Irandhir Santos, quase um sussurro, narra a trama de "Dois Irmãos", a saga de uma família de imigrantes libaneses em Manaus a partir da década de 1930. A narração é entremeada com depoimentos de um dos protagonistas, Halim, já velho, interpretado por Antônio Fagundes. Adiante percebemos que esse Halim conta a história ao personagem de Irandhir, Nael, quando menino (vivido por Theo Kalper).

Tanto a narração de Irandhir quanto os depoimentos de Fagundes ajudam a transmitir o clima "quente" e tenso a que a produção se propõe. Quente na ambientação, como se a história toda se passasse num verão eterno e chuvoso em cenários repletos de natureza, rios, matas, animais, gentes e etnias, índios, mestiços, libaneses, judeus, muçulmanos e cristãos.

Quente na sensualidade e nas paixões desmedidas, no amor carnal de Halim (Bruno Anacleto e Antônio Calloni) e a mulher Zana (Gabriella Mustafá e Juliana Paes), no desejo dos irmãos Omar e Yakub (os gêmeos Lorenzo e Enrico Rocha) pela bela Lívia (Monique Bourscheid), no amor maternal exacerbado de Zana pelos seus gêmeos, na relação edipiana entre Omar e a mãe em contraponto ao amor quase negligenciado dela pelo outro filho, Yakub.

Quente e tenso no prenúncio da tragédia que essas paixões estão para desencadear. Nael (Irandhir) é o interlocutor que nos mantem a par do que viu ou do que ouviu de Halim velho. Zana, Halim, Omar e Yakub, são os protagonistas do infortúnio iminente que não conseguirão conter. E existe ainda a figura sorrateira, uma testemunha desse drama que, parece, tudo saber e tudo ver, sempre com um olhar de presságio: Domingas (Zahy Guajajara).

A índia Domingas é um misto de agregada, empregada e escrava, é a mãe de Nael. Nos três episódios de "Dois Irmãos" disponibilizados no Globoplay, a sequência mais bonita, mais intensa, é a do parto de Domingas, o nascimento de Nael. Ao que parece, esses dois coadjuvantes, a princípio sem muita importância, têm um papel maior do que aparentam no drama da família de Halim.

O parto de Domingas (Zahy Guajajara). Foto: divulgação/TV Globo

O parto de Domingas (Zahy Guajajara). Foto: divulgação/TV Globo

A minissérie – escrita por Maria Camargo a partir do romance de Milton Hatoum (estreia dessa segunda, 09/01) – tem a assinatura de Luiz Fernando Carvalho, o que – já sabemos – significa esmero na estética, fotografia, tomadas, trilha sonora e direção de atores. Juliana Paes está soberba como Zana, a mater dolorosa. Os Antônios Calloni e Fagundes, intensos como Halim, assim como o jovem Matheus Abreu, que vive os diferentes Omar e Yakub na fase pré-Cauã Reymond.

Não, não é uma "mistura de 'Hoje é Dia de Maria' com 'Velho Chico'", como já ouvi. Quem conhece a obra de Luiz Fernando Carvalho sabe que cada produção sua é única, mesmo dentro de seu estilo característico de direção. Pela temática e condução – não pela estética – e guardadas as devidas proporções – está mais para a tragédia familiar de "Os Maias" (2001) – que também era narrada com uma voz murmurante, de Raul Cortez.

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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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