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“Sol Nascente” será mais lembrada pelos problemas que passou do que pela sua trama

Nilson Xavier

21/03/2017 19h07

Bruno Gagliasso e Giovanna Antonelli (Foto: Ramon Vasconcelos/TV Globo)

Considerando apenas os números de audiência, "Sol Nascente" (novela que terminou nessa terça, 21/03) foi uma produção vitoriosa: fecha com o maior Ibope entre as produções do horário desde de 2013 – excluindo a anterior, "Eta Mundo Bom!", tida como fenômeno para os padrões atuais. Veja abaixo.

Porém, audiência e boa dramaturgia nem sempre andam juntas. A embalagem era linda: fotografia caprichada, tomadas de natureza deslumbrantes, boa trilha sonora. Tecnicamente, "Sol Nascente" fez bonito sob a direção de Leonardo Nogueira e sua equipe. Mas e o conteúdo?

A novela começou em 29 de agosto do ano passado e, por mais de sua metade (até o fim de 2016) patinou em uma trama mal alinhavada e preguiçosa, num texto piegas, sobre os quais o maior questionamento era "qual é a história dessa novela?" – em minha opinião, a pior pergunta a se fazer nesse caso, o mesmo mal que acomete "A Lei do Amor".

Na ausência de um fio condutor consistente, a trama reuniu, sem a menor cerimônia e sutileza, um amontoado de estereótipos humanos em clichês novelísticos: a família italiana, a família japonesa, motoqueiros tatuados e um núcleo de pescadores caiçaras em personagens pouco atraentes, algumas escalações equivocadas (como Bruno Gagliasso e Giovanna Antonelli para o par romântico central) e a total ausência de grandes personagens que pudessem fazer bons atores renderem – a única exceção foi Laura Cardoso, o ponto fora da curva dessa história toda.

Laura Cardoso e Malvino Salvador (Foto: César Alves/TV Globo)

No início, a acusação de "yellow-facing" pegou mal: a comunidade japonesa pediu explicações sobre a escalação de Luís Mello para o papel de Tanaka ao invés de um ator com ascendência oriental. Os autores preferiram remendar explicando na trama que Tanaka era filho de um japonês com uma americana, o que justificava ele não ter traços orientais marcantes. Só que isso apenas soou como uma desculpa esfarrapada, já que o fato do personagem ser mestiço em nada implicava na novela.

Para piorar a situação, dois desfalques por doença: o autor Walther Negrão, que acabou definitivamente afastado, e Laura Cardoso, como Dona Sinhá, uma personagem importante na história, que ausentou-se por um bom tempo e retornou depois.

Uma força tarefa foi deflagrada para dar um rumo a "Sol Nascente". O próprio chefão da dramaturgia da Globo, Silvio de Abreu, passou a orientar os destinos dos personagens. Também o experiente Sérgio Marques foi acionado para contribuir com Suzana Pires e Júlio Fischer, os autores titulares, que já estavam sem Negrão.

Finalmente, a partir de janeiro, ficou claro para o público do que se tratava a história: uma vingança de Dona Sinhá contra Tanaka. As tramas paralelas também ganharam força, o que ajudou a encorpar a novela. E a audiência subiu. Faltando pouco mais de dois meses para acabar, "Sol Nascente" disse a que veio.

Mas tudo isso ao custo de um amontoado de clichês – a Lei da Inércia Dramatúrgica, que expliquei AQUI. Alguns atores cresceram, como Letícia Spiller, Claudia Ohana e Giovanna Lancelotti, dignas de citação. Laura Cardoso brilhou com o tom caricato de Dona Sinhá. Aracy Balabanian, após as modificações, saiu da zona de conforto da nonna italiana bonachona e até rendeu melhor. Porém, os sussurrantes Francisco Cuoco e Luís Mello, já sem fôlego, quase ficaram sem voz no final. A cereja do bolo: o clichê do rapto da mocinha no último capítulo, um desfecho batidíssimo para uma novela… sobre o quê, mesmo?

Rafael Cardoso (Foto: Miguel Jr./TV Globo)

Média final das últimas novelas das seis no Ibope da Grande SP (colaborou Fábio Dias):
Sol Nascente 21
Eta Mundo Bom! 27
Além do Tempo 20
Sete Vidas 19
Boogie Oogie 17
Meu Pedacinho de Chão 18
Joia Rara 18
Flor do Caribe 21

Leia também: "Dona Sinhá parece vilã do Batman".
Maurício Stycer: "A audiência cresceu mas não fez de Sol Nascente uma novela melhor".
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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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