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40 anos de Espelho Mágico, a novela com outra novela dentro, uma das mais polêmicas da TV

Nilson Xavier

14/06/2017 07h00

 

Há 40 anos, o novelista Lauro César Muniz propôs uma ideia inovadora para o universo da telenovela: desvendar para o público os bastidores da produção de uma novela de televisão e os problemas enfrentados pela classe artística. As chamadas de estreia deixavam claras as intenções do autor:

"Espelho Mágico – revelando a você a vida de um famoso casal de televisão, o aparecimento de um novo autor de novelas, de um velho cômico do teatro de revista, a ambição de uma jovem atriz, o fracasso de uma outra, e daquela que abandonou a carreira por um bom casamento. Você vai conhecer a verdade de uma bailarina, de um jornalista, de uma vedete de teatro. Tudo o que você sempre quis saber sobre a vida no teatro, cinema e TV. Espelho Mágico, onde a vida imita a arte!"

Para interromper o processo de que os artistas são mitos inatingíveis, a novela procurou mostrar o outro lado, isto é, que eles são, no dia a dia, pessoas comuns. Uma ideia genial de Lauro César, mas incompreendida pelo grande público.

A novela dentro da novela

"Espelho Mágico" foi dividida entre a realidade cotidiana – os atores-personagens vivendo suas vidas e problemas – e a arte através dos espetáculos, principalmente através da peça de teatro e da novela produzidas em sua trama. "Espelho Mágico" era estrelada pelo casal Tarcísio Meira e Glória Menezes, que viviam um famoso casal de atores: Diogo Maia e Leila Lombardi, protagonistas de uma novela de televisão. Assim, o público assistia a duas novelas: "Espelho Mágico" e, dentro dela, "Coquetel de Amor", a novela dentro da novela – escrita por Jordão Amaral (Juca de Oliveira), dirigida por João Gabriel (Daniel Filho, o próprio diretor de "Espelho Mágico") e, ainda no elenco, os atores Paulo Morel (Tony Ramos), Diana Queiroz (Vera Fischer), Nora Pelegrine (Yoná Magalhães), Cynthia Levy (Sônia Braga) e outros.

O público não entendeu

A metalinguagem proposta por Lauro César Muniz não foi bem captada pelo telespectador, o que fez de "Espelho Mágico" uma das produções mais polêmicas da história de nossa televisão. A repercussão foi mais pelos comentários que suscitou do que pela audiência alcançada. Por incrível que pareça, o público estava mais interessado na trama de "Coquetel de Amor" do que nos problemas dos artistas de "Espelho Mágico". Daniel Filho, o diretor, desabafou em seu livro "O Circo Eletrônico":

"Hoje, para mim, é claro que, para fazer uma paródia revelando os truques a que recorríamos para fazer as novelas, devíamos utilizar outros gêneros que não a própria novela. Foi uma queda de quase 20 pontos na audiência, numa época em que a TV Globo era a dona absoluta no horário. (…) Possivelmente, se tivéssemos feito uma novela sobre os heróis da televisão sem expor os seus defeitos, o resultado não tivesse sido tão repudiado."

O diretor vivido por Daniel Filho dirigindo o personagem de Milton Moraes

Plágio

A trama de "Coquetel de Amor" foi acusada de plágio, principalmente em seu entrecho central, que lembrava nitidamente outra novela: "O Semideus" (1973-1974), de Janete Clair. O acidente de iate forjado para eliminar o protagonista de "O Semideus" foi recriado em "Coquetel de Amor". Com sua trama metalinguística, Lauro César Muniz quis fazer referências a cenas marcantes de histórias de seus colegas. Janete Clair não gostou dessa citação à sua novela. Mas não foi intenção de Lauro César criticar a obra de Janete. A ideia do autor era brincar com as diversas e repetitivas tramas folhetinescas. "É um coquetel carinhoso de todas as novelas", explicou Lauro César Muniz, fazendo alusão a outra obra sua, "Carinhoso" (1973-1974).

Atores reais entre os atores ficcionais

No elenco, os atores-personagens de "Espelho Mágico", como Diogo Maia e Leila Lombardi, misturavam-se a atores reais, como Bibi Vogel, que atuava na peça "Cyrano de Bergerac" montada dentro da novela, e Nelson Caruso, Jorge Botelho e Maria Lúcia Dahl, que estavam em "Coquetel de Amor". E enquanto Daniel Filho dirigia "Espelho Mágico", seu personagem, João Gabriel, dirigia "Coquetel de Amor".

Carlos Eduardo Dolabella e Vera Fischer

A classe jornalística reclamou

Alguns jornalistas sentiram-se atingidos por causa do personagem Edgar Rabelo (Carlos Eduardo Dolabella), especializado em cobertura jornalística do mundo artístico, por usar de vários artifícios para entrevistar os atores, além de algumas vezes escrever matérias bombásticas sobre televisão – muito antes do venenoso colunista Téo Pereira, vivido por Paulo Betti em "Império" (2014-2015), de Aguinaldo Silva. De quebra, na trama, Edgar era colunista da fictícia revista Magia, anagrama de Amiga, famosa revista sobre televisão. Rapidamente a revista da vida real viu provocação tanto no jornalista quanto na revista da ficção.

Personagens baseados nos próprios atores

Além de Tarcísio e Glória, que viviam na ficção um famoso casal de atores de televisão (como na vida real), outros atores do elenco também tiveram suas trajetórias retratadas em "Espelho Mágico". Vera Fischer, estreando em novelas, vivia uma ex-miss que tentava a carreira de atriz de TV, depois de ter participado de pornochanchadas no cinema. Djenane Machado interpretava uma atriz de teatro de revista, como o pai, vivido por Lima Duarte. Djenane é filha de Carlos Machado, considerado o "rei da noite carioca" nos anos 1950 e 1960. A atriz cresceu no auge da era dos teatros de revista, entre a produção de shows e espetáculos de teatro produzidos e dirigidos pelo pai.

Tony Ramos, Sônia Braga e Lídia Brondi

A travesti teve que sair da novela

Pela primeira vez na história de nossas telenovelas, uma travesti ganhou um papel: Cláudia Celeste era uma corista do teatro de revista de Carijó (Lima Duarte) que ensinava coreografias à personagem de Sônia Braga. Mas Cláudia entrou para o elenco da novela sem que Daniel Filho soubesse de que se tratava de uma travesti (na época do Regime Militar, travestis eram proibidas de aparecer na televisão). Descoberta, Cláudia teve que sair de cena.

A crítica aplaudiu

"Espelho Mágico" foi premiada pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) como Melhor Novela de 1977. Lídia Brondi ganhou o prêmio de Revelação e Lima Duarte foi o Melhor Ator (juntamente com Mário Lago e Antônio Fagundes, pela novela "Nina", e Carlos Augusto Strazzer, por "O Profeta").

AQUI tem tudo sobre "Espelho Mágico": trama, elenco completo, trilha sonora e mais curiosidades.
Fotos: Acervo/TV Globo.
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Sobre o autor

Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.

Sobre o blog

Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.

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