Há 45 anos, “O Bofe” derrubou a audiência da Globo ao debochar das novelas
Durante a década de 1970, a Globo reservou sua faixa das 22 horas para experimentações em dramaturgia. Era um horário em que a emissora se permitiu ousar nos enredos das novelas, tentando se distanciar das fórmulas estabelecidas e consagradas para os horários das 6, 7 e 8 da noite. Estava assim ciente de que corria o risco de rejeição do público.
Foi o que aconteceu em 1972, com a novela "O Bofe", escrita por Bráulio Pedroso. A ideia era debochar das batidas fórmulas folhetinescas das telenovelas. O público reagiu mal, a audiência despencou e o autor acabou afastado. Bráulio narrou em depoimento – que consta na biografia "Bráulio Pedroso, Audácia Inovadora" (Renato Sérgio, Imprensa Oficial do Estado de SP):
"Eu estava brincando mesmo! Estava botando tudo em jogo, o falso suspense, os intervalos, a própria estrutura da novela. (…) O deboche era o clima daquele enredo intencionalmente experimental e esta ousadia resultou em queda de audiência. Fui elegantemente convidado a ir para casa (…) e ceder a responsabilidade do texto para o Lauro César Muniz. A troca de autoria foi que evitou o maior morticídio de todas as novelas, porque a intenção original era que em cada crime [da trama] houvesse uma ou mais testemunhas que por sua vez iriam sendo eliminadas também, até a história acabar por falta de personagens."
A palavra "bofe", na época, designava homem sem jeito, desengonçado, mal arrumado, feio ou pilantra. Exatamente a caracterização e o perfil dos protagonistas vividos por Cláudio Marzo e Jardel Filho. Curiosamente, nos dias atuais, a gíria quer dizer exatamente o contrário: homem atraente.
Marzo, pela primeira vez, deixou de interpretar um galã para encarnar o antigalã, na caótica figura do artista plástico Grego, um mecânico desiludido, com uma imensa barba e um jeito sujo de ser – embora um elemento poético da história, citando trechos de poesias. Jardel Filho era Dorival, parceiro de Grego na oficina, um mulherengo grosseirão, alvo dos sonhos românticos de Stanislava, velha polonesa caricata interpretada por Ziembinski – a primeira vez nas novelas brasileiras em que um ator se travestiu para uma personagem feminina.
Os personagens de "O Bofe" agiam ao sabor do absurdo, do deboche e da crítica social. Todos os valores pretensamente ricos eram representados por tipos pobres, como Guiomar (Betty Faria), uma mulher atraente que saía do subúrbio para paquerar em Copacabana. Outro tipo marcante era Bandeira (José Wilker), um rebelde que se passava por decorador de interiores para destruir apartamentos de pessoas ricas. Mas o personagem teve um fim inusitado: morreu de tanto rir. Na verdade, Wilker havia pedido para sair da novela.
Uma curiosidade: a trilha sonora de "O Bofe" foi composta especialmente, sob encomenda, por Roberto e Erasmo Carlos (a única trilha de novela no currículo da dupla). Foram 12 músicas inéditas, interpretadas por Elza Soares, Os Vips, Nelson Motta, Djalma Dias, Eustáquio Sena e outros.
Se na década de 1970 a Globo se prestava a ousadias ciente do risco de ver sua audiência cair, hoje isso é praticamente impensável. Várias tentativas de inovação foram feitas nos últimos 40 anos. Algumas deram certo, outras não. A julgar pelos títulos atualmente no ar, o bom e velho folhetim, batido ou nem tanto, ainda é uma fórmula que funciona. Vide os bons números na audiência das produções atuais e a total ausência de novidade neste cenário.
AQUI tem tudo sobre "O Bofe": trama, elenco, curiosidades, trilha sonora.
Fotos: Acervo Globo.
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