Dercy, Clodovil, atriz pornô: 10 vetos curiosos da Censura sobre as Novelas
Nilson Xavier
07/12/2017 07h00
Por 24 anos, a TV brasileira (também o teatro, cinema, rádio, música, artes, imprensa e mídia em geral) sofreu com a ação da censura oficial do Governo: de 1964 a 1984 (Regime Militar) e de 1985 a 1988 (Nova República). Claro que antes desse período houve censura, mas estamos tratando aqui de televisão. A Constituição de 1988 extinguiu o DCDP (Divisão de Censura de Diversões Públicas), pondo fim a uma era obscura que fez nossa TV parar no tempo, sem força para discutir temas caros à sociedade. O Governo continuou com poder de vigiar e limitar a programação da TV, mas através de outras instâncias, e não mais com um órgão governamental criado exclusivamente para esta função, ao qual as emissoras eram obrigadas a se submeter.
A transição dos governos militar para democrático (1985 a 1989), na prática, não alterou em nada o poder dos censores de Brasília em vetar, coibir e limitar temas tidos como malditos para as telenovelas, como aborto, drogas, racismo, homossexualidade, política, polícia, adultério, sexo, incesto, gravidez, separação, religião, violência e outros – tudo em nome da moral e dos bons costumes e pela manutenção da tríade tradição, família e propriedade.
01. Personagem de novela não pode urinar
Várias expressões referentes ao ato de urinar foram cortadas em novelas. Uma criança não pôde dizer "vou fazer xixi" em "Duas Vidas" (Globo, 1976-1977). Em "O Pulo do Gato" (Globo, 1978), a expressão vetada foi "fazendo pipi". "Dancin´ Days" (1978) sofreu dois cortes: quando a personagem de Sônia Braga diz: "Vou urinar. Tenho direito?", a expressão foi considerada grosseira. Sessenta capítulos depois, nem o diminutivo – "vou fazer um pipizinho, né!" – evitou mais uma suspensão. Em "Jogo da Vida" (Globo, 1981-1982), um personagem foi proibido de dizer que "estava morrendo de vontade de fazer xixi".
02. O "jeitinho afeminado" de Clodovil – "Editora Mayo, Bom Dia" (Record, 1971)
A Censura não viu com bons olhos a participação do costureiro na novela. Um censor justificou o veto de uma cena: 'O personagem Clodovil faz com uma das mãos gestos irreverentes e obscenos.' Uma censora não acertou o nome do estilista e indicou o corte na cena 'em que aparece o costureiro Cordovil (sic) com jeitinho afeminado'." Mas logo Clodovil ganhou um quadro no programa "TV Mulher" da Globo e passou a ser visto mais vezes em novelas.
03. Criançada malcriada – "A Patota" (Globo, 1972-1973)
Curiosa essa observação dos censores: "Chamar a atenção dos produtores quanto à necessidade de amenizar a linguagem agressiva das crianças para com os adultos, vez que, sem ter exemplos, já são malcriados e rebeldes por natureza, ainda mais recebendo estímulos pela TV." (!)
04. Obrigado censores! – "Quero Viver" (Record, 1971-1972)
Percebe-se uma ponta de ironia no recado dado pelo autor Amaral Gurgel no final da novela. A emissora queria exibi-la às 19h, mas ela só foi liberada para as 20h. Em uma carta à Censura, o autor se explicou: 'Esta foi uma novela tampão para atravessar férias e carnaval. Projetada para 150 capítulos e espremida em 92. Sem liberdade para escrever devido à faixa etária, assim agradeço a Censura a ter permitido que a história chegasse ao fim'.
05. "Sinto de longe o cheiro de couro!" – "O Rebu" (Globo, 1974-1975)
A novela sugeria um interesse amoroso entre as personagens Roberta (Regina Viana) e Glorinha (Isabel Ribeiro), o que fez os censores cortarem várias cenas. Uma observação no parecer do último capítulo merece destaque: 'A viagem das duas mulheres, Roberta e Glorinha, aparentemente uma simples viagem de recreio, é na realidade uma atitude consciente de duas criaturas que, quebrando os padrões convencionais da ordem, vivem juntas […] patenteando o tipo de relacionamento das duas no enfoque dos dois bondinhos do Pão de Açúcar se unindo'."
06. Atriz pornô – "Espelho Mágico" (Globo, 1977)
A estrela internacional de filmes eróticos Sylvia Kristel (da série de filmes "Emmanuelle"), de passagem pelo Brasil, gravou uma participação especial na novela. Acabou cortada uma referência à proibição do filme no país. O argumento era de que o longa-metragem tinha sequer chegado oficialmente à Censura para ser examinado. Também foi vetado o comentário sobre o conteúdo do filme como 'um sucesso porque retratava todo o misticismo e o exotismo da Tailândia'. Os censores reclamaram que todo esse contexto deixava a Censura 'numa colocação de radical e algo a mais'. (?)
07. Censurar a Censura: PROIBIDO! – "Sem Lenço Sem Documento" (Globo, 1977-1978)
A simples menção da existência da Censura era motivo para encrenca. Apareceu duas vezes nessa novela de Mário Prata. No capítulo 23, quando se falou sobre uma peça, foram três trechos vetados: 'A Censura cortou cinco cenas inteiras. Tinha oito. E o pior é que já estavam em produção. Perderam tudo'; 'Escrever com auto-censura, eu não escrevo mais. Não dá!" e 'Sentar na máquina e ficar segurando é dose pra elefante!'. No capítulo 39, um grupo estava examinando um texto quando um dos personagens ponderou: 'Isso aqui a Censura não deixa. Nem pensar. Imagine!' Não deixou mesmo.
08. Fechem a boca da Dercy! – "Cavalo Amarelo" (Band, 1980)
09. Lucélia Santos pelada – "Carmem" (Manchete, 1987-1988)
Por causa do atraso na pré-produção de "Carmem", a Censura deixou passar a nudez de Lucélia Santos no início da novela. O DCDP deve ter recebido cenas dos ensaios para fazer a avaliação, só isso explica o ofício que o diretor geral da TV Manchete, Rubens Furtado, recebeu logo após a estreia: "Fomos surpreendidos com a exibição de uma cena de nudez total da atriz Lucélia Santos no cap 8 (…) cena não constante da gravação apresentada para o exame (…) extrapola o nível de programas similares levados ao ar até esta data, causando-nos perplexidade e estarrecimento. (…) Doravante, esta DCDP só aceitará gravações completas, de sorte a propiciar uma avaliação exata da matéria sujeita à censura prévia".
10. Filha da mãe! – "Bebê a Bordo" (Globo, 1988)
O título primeiramente pensado para essa novela de Carlos Lombardi era "Filha da Mãe". Foi proibido. Justificativa do veto: "O título, no contexto, sugere '… expressão eufemística para filho da puta' (Novo Dicionário Aurélio), sendo, portanto, apelativo'". Por sua vez, acabou sendo usado em 2001 para uma novela de Silvio de Abreu: "As Filhas da Mãe", já sem censura alguma.
Sobre o autor
Nilson Xavier é catarinense e mora em São Paulo. Desde pequeno, um fã de televisão: aos 10 anos já catalogava de forma sistemática tudo o que assistia, inclusive as novelas. Pesquisar elencos e curiosidades sobre esse universo tornou-se um hobby. Com a Internet, seus registros novelísticos migraram para a rede: em 2000 lançou o site Teledramaturgia (http://www.teledramaturgia.com.br/), cujo sucesso o levou a publicar o Almanaque da Telenovela Brasileira, em 2007.
Sobre o blog
Um espaço para análise e reflexão sobre a produção dramatúrgica em nossa TV. Seja com a seriedade que o tema exige, ou com uma pitada de humor e deboche, o que também leva à reflexão.